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'Incêndios' transporta tragédia aos nossos dias

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São Paulo – É preciso levar a vida, aproveitar o momento, não se preocupar muito porque tudo passa rapidamente. Eis a receita do homem contemporâneo para escapar do trágico.

Incêndios, espetáculo do autor libanês Wajdi Mouawad protagonizado por Marieta Severo, vem demonstrar quão tolo – ou inútil – pode resultar esse estratagema do nosso tempo. Da tragédia não se escapa. O terrível não respeita nossos planos, não se curva às nossas conveniências. Não existe consolo, esse artista parece nos dizer. Mas existe o afeto.

Na obra, em cartaz no Teatro Faap, Marieta vive Nawal, uma mulher que entrega a seus filhos a responsabilidade de descobrir suas origens. Porque, segundo um dos personagens, “há verdades que não podem ser reveladas, precisam ser descobertas”.

A narrativa tem início após a morte de Nawal, no dia da leitura de seu testamento. Depois de ter se calado por mais de cinco anos, essa mãe escreve a seus filhos gêmeos, Simon e Jeanne, pedindo que eles encontrem seu pai – que acreditavam morto – e seu irmão – cuja existência desconheciam.

A partir desse enigma, três narrativas correm em paralelo. Retornamos à juventude da protagonista. Observamos, em separado, os percursos desses dois irmãos: ela, na ânsia de entender as contradições maternas; ele, disposto a apagar o passado e forjar sua própria identidade.

Na encenação de Aderbal Freire-Filho, não há espaço para truques ou ilusionismos. Nessa perspectiva, Marieta Severo é capaz de atravessar os tempos como uma menina apaixonada ou uma guerrilheira em combate contra a guerra civil. Os mesmos atores estão aptos a assumir diversos papéis. Passado e presente podem conviver e se encontrar em uma mesma cena.

Traços assim delimitam as diferenças entre o teatro e o cinema, suporte para o qual Incêndios foi adaptado com sucesso pela direção de Denis Villeneuve. E podem ser indicativos da prevalência do primeiro sobre o segundo.

A proximidade com o gênero trágico é uma das potências maiores da criação de Mouawad. Sua capacidade de beber e subverter a forma ancestral. Tal opção, contudo, torna mais árduo o caminho dos atores. No lugar dos gêmeos, os intérpretes Felipe de Carolis e Keli Freitas oscilam entre momentos mais e menos felizes. Sem ceder a excessos, Marieta Severo se equilibra com elegância. Mas, se não incorre no drama, causa a estranha impressão de, por vezes, proteger-se ou preservar-se da tempestade que toma o palco.