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Jogo de duplos de 'Fedora' expõe terror de Billy Wilder

Jogo de duplos de ‘Fedora’ expõe terror de Billy Wilder Jogo de duplos de ‘Fedora’ expõe terror de Billy Wilder Jogo de duplos de ‘Fedora’ expõe terror de Billy Wilder Jogo de duplos de ‘Fedora’ expõe terror de Billy Wilder

São Paulo – Billy Wilder sempre amou os duplos e os travestis. A prova está em filmes como A Incrível Suzana, no começo de sua carreira, em Quanto Mais Quente Melhor, a comédia que muitos críticos consideram sua obra-prima, ou então em Fedora, o penúltimo filme que realizou. O lançamento em DVD da Versátil possui duas horas de extras. Wilder volta aos bastidores de Hollywood, que já focara em Sunset Boulevard/Crepúsculo dos Deuses. Muitos elementos são comuns a ambos os filmes – o clima noir (mas Fedora é colorido), a narrativa na primeira pessoa, a obsessão pela morte.

Sunset Boulevard começa com um morto numa piscina, e ele conta a história. Coincidentemente – mas não é mera coincidência, claro -, o ator que faz o morto, William Holden, é o narrador de Fedora. O filme começa com um suicídio – uma mulher joga-se diante de um trem -, mas a cena parece tão fake que você seria capaz de jurar que é uma filmagem de Ana Karenina. Holden faz agora um produtor e Ana Karenina é justamente o filme que ele vem propor à mítica Fedora, que vive isolada, como a Norma Desmond de Crepúsculo dos Deuses.

Norma queria voltar, Fedora prefere manter-se fora de cena. O flash-back conta isso e também a descoberta que Holden faz sobre o entourage que a cerca na mansão isolada. Muitos diretores inspiraram-se em filmes que Wilder fez, mas ele também se inspira – não apenas nos próprios filmes (Crepúsculo), mas também nos de outros autores. Quando Pedro Almodóvar apresentou A Pele Que Habito, a maioria da crítica disse que ele se havia inspirado em Les Yeux Sans Visage, de Georges Franju. Na verdade, Almodóvar pode ter-se inspirado em Fedora, e foi Wilder quem foi à fonte de Franju.

Há uma confusão de mãe e filha – uma mãe que sacrifica a filha para eternizar seu mito -, mas a filha, ao se vingar, estraçalha o mito. O mundo do cinema é autofágico e cruel, Wilder já o demonstrara em Crepúsculo, feito em 1950, quando tinha 44 anos – nasceu em 1906 -, e estava no auge. Quando fez Fedora, em 1978, estava com 72. Aos 68, concretizara sua derradeira obra de mestre, senão realmente uma obra-prima – A Primeira Página. Fedora, embora extravagante nas reviravoltas do roteiro mirabolante, deixa a impressão de que Wilder exagerou na escrita e depois quis recuar na realização.

Fez um filme ‘clássico’, talvez para remeter ao passado, em que já viviam os protagonistas de Crepúsculo dos Deuses. Holden já experimentara o gosto amargo da prostituição no outro filme. Está velho e cansado. Toda a expressão de Marthe Keller, que faz Fedora ou quem aparenta ser Fedora, está na voz. O rosto parece uma máscara, de tão estático. Na verdade, é uma máscara. Fedora fascina e horroriza. Se Crepúsculo era o mais noir dos filmes, esse é de terror. O terror dos mortos-vivos.