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Jurados de Berlim apostam em uma premiação política

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Berlim – Ao repórter do jornal O Estado de S. Paulo, o guatemalteco Jayro Bustamante disse que um prêmio no Festival de Berlim seria maravilhoso, não apenas para ele, mas para o cinema da Guatemala. “Seria como nos colocar no mapa do cinema mundial”, disse ele. Mas acrescentou que não ousava nem sonhar. “Só estar aqui (na Berlinale) já é uma honra”.

No final, o Prêmio Alfred Bauer, que recompensa uma obra que faz avançar a arte do cinema foi o mais acertado entre quantos outorgou o júri presidido por Darren Aronofsky no sábado à noite. Ixcanul/Volcano é mesmo um belíssimo filme. Diretor de Cisne Negro e Noé, Aronofsky já havia sido presidente do júri em Veneza – e premiou o Fausto de Alexandr Sokurov. Desta vez, premiou Táxi, do iraniano Jafar Panahi que, na véspera – sexta-feira, 13, à noite -, já ganhara o prêmio da crítica (Fipresci).

Foi uma premiação política. Pela manhã, na cerimônia de premiação dos júris independentes – em que The Second Mother/Que Horas Elas Volta?, de Anna Muylaert, ganhou dois prêmios importantes na seção Panorama, o do público e da CICA, Federação Internacionaslo dos Cinemas de Arte e Ensaio -, o diretor da Berlinale, Dieter Kosslick, já fizera sua declaração sobre o estado do mundo. “São incidentes de fronteiras, guerras, terrorismo, xenofobia. Não podemos ficar indiferentes ao sofrimento. Nossa seleção é um reflexo de tudo isso.”

À noite, durante a premiação do júri, o tema política voltou várias vezes. Justificando a premiação de Panahi, que segue impedido de deixar o Irã – se o fizer, ele não poderá voltar: “Tenho tanto direito de viver aqui quanto eles” (os governantes da república dos aiatolás), reflete o cineasta) -, Aronofsky disse que defender a liberdade de expressão e circulação é dever de todo artista. Acrescentou que, muitas vezes, e é o caso de Panahi, trabalhar na adversidade fortalece conceitos, convicções, e estimula a criatividade.

O Urso de Ouro para Táxi foi defensável, mas não irrepreensível. Por mais que, pelo táxi do diretor, que também é ator (no papel do motorista), circulem personagens que representam a totalidade da sociedade iraniana, havia concorrentes melhores.

A própria crítica, talvez pelo efeito Charlie, sentiu-se na obrigação de fortalecer a candidatura de Panahi. Táxi terminou supervalorizado, enquanto filmes até melhores passaram em brancas nuvens na premiação. O italiano Vergine Giurata, de Laura Bispuri, foi um dos grandes filmes dessa Berlinale, e não levou nada.

Bem-intencionado, e até correto como foi, o júri revelou suas limitações. O melhor filme da seleção foi um documentário: El Botón de Náscar, do chileno Patricio Guzmán. Os júris, em geral, lidam mal com o gênero. E, quando eles ganham, nunca são os melhores: Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, em Cannes; Sacro GRA, de Gianfranco Rosi, em Veneza. Darren Aronofsky e seus jurados atribuíram a El Botón um canhestro Urso de Prata de roteiro. Basearam-se no fato de o documentário ser “poético”, com texto do diretor. Teria sido melhor dar a Guzmán o prêmio do júri, que outro chileno levou, o Pablo Larraín de El Club.

O prêmio de direção foi dividido, entre Aferim!, do romeno Radu Jude, e Body, da polonesa Malgorzata Szumowska. Ele deveria ter ganhado sozinho. Venceu a mulher errada. A Bispuri dá de dez no filme de Malgorzata – se existiu uma política do corpo nesse festival foi em Vergine Giurata. O júri também dividiu o prêmio de fotografia, transformado em contribuição artística. Foi a forma encontrada para dar algum destaque ao cinema alemão. A participação alemã na Berlinale de 2015 foi a mais fraca dos últimos tempos. O prêmio de fotografia para Victoria, de Sebastian Schippe, recompensa o tour de force técnico de um filme narrado em plano único, mas no qual personagens e situações beiram o sofrível.

Com todos esses problemas, foi um bom festival, e uma premiação decente, melhor que a do ano passado, quando outro norte-americano presidiu o júri, o produtor James Schamus. Dieter Kosslick já disse, em tom de blague, que a Berlinale deste ano foi sui-generis. Os filmes ditos pequenos deram um banho nos grandes. Se ele não pensou no fiasco de Rainha do Deserto, de Werner Herzog, com Nicole Kidman, todo mundo estava pensando nisso. Contra a ambição hollywoodiana de autores consagrados, veio aquele filme pequeno da Guatemala e apontou o futuro. Dos filmes grandes – cinemão? -, o melhor foi 45 Anos, de Andrew Haigh, que ganhou os prêmios de ator e atriz (Tom Courtenay e Charlotte Rampling). Um prêmio para Charlotte nunca será injusto, mas a virgem jurada, Alba Rohrwacher, não ter levado nada, isso, sim, foi um crime.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.