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Longa 'Sob Nuvens Elétricas' se passa em 2017, nos 100 da Revolução Russa

Longa ‘Sob Nuvens Elétricas’ se passa em 2017, nos 100 da Revolução Russa Longa ‘Sob Nuvens Elétricas’ se passa em 2017, nos 100 da Revolução Russa Longa ‘Sob Nuvens Elétricas’ se passa em 2017, nos 100 da Revolução Russa Longa ‘Sob Nuvens Elétricas’ se passa em 2017, nos 100 da Revolução Russa

São Paulo – Talvez não haja, em toda a Mostra e sua infinidade de filmes, um de visual mais desolado do que o de Sob Nuvens Elétricas, do russo Alexey German Jr. O tom é desbotado, sugere e tende ao preto e branco. O inverno é permanente e as pessoas perambulam como fantasmas por edifícios incompletos. Ou talvez semidestruídos. Ninguém gostaria de viver num ambiente desses. E, no entanto, as pessoas vivem porque o instinto de sobrevivência é mais forte que o pavor do desconforto, tanto moral como físico.

Temos aí mais uma distopia, esse subgênero do cinema. Enquanto as distopias proliferam, as utopias se tornam cada vez mais raras – pelo menos nas telas. Mas também de uma maneira mais geral no mundo da ficção. Parece mais fácil, e talvez mais atraente, do ponto de vista crítico-estético, pensar num futuro terrível que num mundo aprazível. E o que nos aguarda depois de termos nos entredevorando em guerras inúteis, termos competido por espaço e riqueza, mesmo no interior dos nossos países, e depois de laboriosamente termos esgotado os recursos do planeta? Sem dúvida o caos.

É disso que fala Sob Nuvens Elétricas, porém, com foco no país do diretor. Tudo se passa em 2017, que não é um ano tomado ao acaso. Nele se comemora o centenário da Revolução Russa, de 1917, que prometia implantar a igualdade entre os homens na Terra, dar fim à servidão e à exploração. Tais ideias generosas não passaram incólumes pelo stalinismo, depois pela Guerra Fria e, por fim, em 1991, a União Soviética, enquanto tal acabou, dando lugar à Federação Russa.

E aí entramos nos, digamos, “motivos principais” de Sob Nuvens Elétricas, e que podem ser resumidos a um único e imenso motivo: a memória. É como se German Jr. dissesse que a Rússia sofre de um excesso de memória. Um fardo imenso. Como se uma história tão rica, tão densa e cheia de tragédias, tão culturalmente sublime e dilacerada, submetesse seus cidadãos a um peso inominável. A Rússia foi grande, um império. Pátria-mãe do socialismo mundial, superpotência a rivalizar com os Estados Unidos durante as décadas da Guerra Fria. Nada disso se arquiva com facilidade. Ainda mais quando se tem uma esplêndida unidade de artistas a pintar as cores, do czarismo à era Putin, de Andrei Rublev, o pintor de ícones a Boris Pasternak, de Doutor Jivago; de Gogol a Dostoievski, de Eisenstein a Tarkovski. Não se é russo impunemente e o delírio de grandeza sofre com a queda na Realpolitik econômica do mundo atual. Daí essa distopia feita de fragmentos da memória de grandezas passadas, no filme desmontada em capítulos e diálogos às vezes bastante obscuros. Certo formalismo, às vezes, torna rígido o retrato. Mas nem por isso ele deixa de ser pungente, doloroso e assustador.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.