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Novo filme de Marcos Jorge, 'Mundo Cão', cria confronto violento

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São Paulo – Adriana Esteves faz um dona de casa suburbana em Mundo Cão. A personagem é costureira. Vive com a fita métrica pendurada no pescoço. “A personagem me saiu assim, como uma homenagem à minha mãe, que criou os filhos costurando. Toda vez que me lembro dela, é a imagem que vem. Minha mãe e a fita métrica.” O diretor Marcos Jorge vale-se de detalhes e até experiências pessoais para enriquecer seu novo filme e os personagens, mas a história, com certeza, não é autobiográfica.

Mundo Cão estreia nesta quinta-feira, 17, em salas de todo o Brasil. O filme integrou a Première Brasil, no Festival do Rio do ano passado, e saiu de circulação. Não passou em outros festivais – no Brasil nem no exterior. O motivo é simples – “A trama é cheia de reviravoltas e tem algumas surpresas que, reveladas, diminuiriam o impacto. Optamos por segurar para o lançamento, para evitar que esses detalhes vazassem.” O curitibano Marcos Jorge é o diretor de Estômago, muito bem recebido, pela crítica e pelo público, em 2007.

Discretamente, ele espera repetir a dose. Mas está prudente, e temeroso. “Há uma cobrança, no mercado, por filmes grandes, que são quase sempre as comédias.” Mundo Cão tem o tamanho que precisava ter. “Os test screenings e pré-estreias foram bem, mas agora, com o público, é outra coisa”, avalia o diretor.

Assim como a personagem de Adriana Esteves nasceu com o desenho de sua mãe, Jorge revela que, de cara, assumiu que o marido dela devia ser negro. “Não é o tema do filme, mas queria que o casamento fosse misto. Tem toda a cara do Brasil de classe média, miscigenado.” Com o marido negro veio seu oponente, também afrodescendente. Não é muito frequente um filme brasileiro com antagonistas negros, mas Jorge está felicíssimo com seus atores, Lázaro Ramos e Babu Santana. “O Lázaro é esse gigante e o Babu, ‘pelamor’ de Deus…” O filme também não nasceu com o objetivo de metaforizar o Brasil atual, mas estreia num momento em que os ânimos andam acirrados e as redes sociais transbordam ódio e radicalização. Lázaro faz seu primeiro vilão. Admite que tinha dúvidas, mas embarcou no projeto. “Um dos meus prazeres nesse filme foi, de cara, a chance de fazer o antagonista de Babu. É um grande ator, sou fã dele. Estabelecemos uma boa química, umas provocações que um fazia ao outro e que potencializavam a tensão das cenas.”

Babu venceu como melhor ator no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro no ano passado por seu papel como Tim Maia. Mas não venceu sozinho – dividiu o prêmio com o Tony Ramos de Getúlio. São duas grandes interpretações, mas dividir o prêmio foi uma covardia dos votantes, ou quem sabe uma facilidade, para não tomar partido? “Ah, não sei, cara. Só sei que gostei muito. E foi uma honra dividir um prêmio com o Tony. Me criei vendo aquele cara. Minha mãe dizia que ele era o maior ator do mundo. E eu, querendo ser ator e me mirando nele. Foi um sonho.” Babu faz o homem da carrocinha, que caça cachorros nas ruas da cidade. Jorge conta que é outra imagem da sua infância. “Morria de medo que aqueles caras laçassem meu cachorro.”

Na ficção, Babu prende o cão feroz. Passam-se os dias, o dono não aparece, o cão é sacrificado. Irrompe Lázaro Ramos na vida de Babu. É ‘do mal.’ Criminoso, vive armado. E tem todos aqueles cães com nomes de ‘monstros’ – Calígula, Herodes, Nero. Lázaro resolve se vingar de Babu. Sequestra o filho dele. O que se segue é um confronto muito violento. No caminho, vidas são sacrificadas. Acuado, Babu também pega em armas. O vilão de Lázaro provoca. “Não é só puxar o gatilho, parceiro. Tem de olhar no olho na hora de atirar.” Embora a cor da pele dos personagens não seja a matriz do confronto, nem do drama – “Eles poderiam ser brancos”, observa Babu -, os dois atores concordam que é bom termos esse tipo de antagonismo na cena brasileira.

Lázaro colhe, atualmente, grande sucesso de público e crítica com o seriado Mister Brau, na Globo. “Fazia falta esse tipo de ficção sobre uma classe média alta negra”, diz ele. “O Brasil mudou e nós só estamos acompanhando a mudança.” Ele observa que esse tipo de teledramaturgia já existe há muito tempo nos EUA. “Eles tiveram confronto na luta por direitos e isso fortaleceu a cidadania dos negros. No Brasil, duvido que exista um negro que possa dizer que nunca sofreu preconceito, mas essas coisas são mais veladas. A ficção acompanha e só agora começamos a dar voz a conflitos que eram ignorados.”

Lázaro conta que já escreveu roteiro para Mister Brau (a série é uma criação do gaúcho, também cineasta, Jorge Furtado). E não tem vontade de dirigir? “Até tenho, cara, mas esse negócio de escrever, dirigir e interpretar não é fácil. Nem todo mundo consegue ser Selton Mello” – e Lázaro ri ao citar o colega, a quem se devem filmes como O Palhaço e séries como Sessão de Terapia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.