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'O Anão', de Zemlinsky, ganha montagem no Teatro São Pedro

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São Paulo – Uma ópera sobre a feiura. Foi assim que, em 1909, o compositor Alexander von Zemlinsky definiu ao amigo Franz Schreker o projeto ao qual gostaria de se dedicar. Estava dado o primeiro passo para a composição de O Anão, que, estreada em 1922 na Alemanha, ganha a partir desta quarta, 17, a sua primeira montagem paulista, no Teatro São Pedro, com direção cênica de William Pereira e regência de André dos Santos.

Se confiamos no relato de Alma Schindler, aluna de Zemlinsky, a aparência do compositor não era das melhores. Ela mais tarde se casaria com Gustav Mahler e em sua autobiografia conta que a feiura do mestre foi um dos assuntos dos dois em seu primeiro encontro. “Ele foi provavelmente o homem mais feio que já conheci, baixinho, sem queixo, desdentado, pouco asseado e sempre recendendo a botequins baratos”, escreve, não sem certa dose de crueldade, tornada ainda mais flagrante pelo fato de que Zemlinsky era loucamente apaixonado por ela.

Não foi por acaso, portanto, que o compositor se sentiu atraído pela história narrada por Oscar Wilde no conto O Aniversário da Infanta. Nela, uma princesa recebe como presente um Anão com problemas físicos. Ele jamais se olhou no espelho, não tendo consciência, assim, de sua própria feiura – e a infanta manda que todos os espelhos do palácio sejam cobertos, para que ele continue ignorante a respeito de sua condição. Quando ele, no entanto, declara seu amor por ela, qualquer resquício de ternura se transforma em asco. O Anão se vê no espelho. Observa a si mesmo pela primeira vez – e a descoberta de sua condição terá consequências trágicas.

Em pleno início do século 20, dá para pensar a história da ópera no contexto do advento da psicanálise e da descoberta de um novo mundo interior, capaz de revelar ao homem muito mais do que ele acreditava conhecer a respeito de si próprio. Pereira, por sua vez, define o Anão como o “personagem mais dolorido da história da ópera”. “Ele sofre a pior entre todas as dores, a rejeição”, diz o diretor, que chama atenção para a “generosidade e a crueza” que marcam o modo como, pela música, Zemlinsky narra a história.

Pereira diz não ter se preocupado em recriar de modo fiel a corte espanhola em que se passa a história original. Da mesma forma, não sentiu necessidade, explica, de atualizar a trama de alguma maneira. “A música e o texto são tão fortes que tornam isso desnecessário. O que não quer dizer que a montagem vai optar por ressaltar caminhos paralelos que enfraquecem a narrativa, como a preocupação em recriar o luxo ou a tradição pictórica da corte espanhola. O foco precisa estar na emoção humana, é ela sempre o filtro de qualquer espetáculo. O Anão, nesse sentido, não pode deixar de ser uma ópera sobre a rejeição, a intolerância, os padrões de beleza e a aceitação de si próprio.” Pereira também ressalta o fato de que trabalhou com cantores jovens, integrantes do elenco estável e da academia do Teatro São Pedro. “É interessante o contato com artistas ainda em formação, abertos a experimentar, a trabalhar novos conceitos”, explica.

Felicidade

Para Mar Oliveira, que interpreta o protagonista, os últimos dois meses têm sido de reflexão sobre a ópera e o personagem. “São muitas as camadas deste homem recriado por Zemlinsky. Ele carrega a possibilidade do romance, da comédia e também da tragédia”, diz o tenor. Ele conta que buscou o texto original de Wilde ao mesmo tempo que estudava a adaptação feita pelo compositor. “O elemento que me chamou muita atenção é a felicidade desse personagem. Ele é feliz justamente porque a oposição entre o que é belo e o que é feio não existe para ele. O momento em que ele perde a capacidade de ser feliz é o momento no qual descobre ser diferente de um padrão estabelecido”, explica.

Para Oliveira, interpretar o papel significa “como cantor e ator, me questionar a respeito do que é o belo”. “E dentro do contexto da ópera se há alguém que encarna alguma beleza é justamente o Anão.” Esse foi mais um elemento na construção do personagem. “O desafio, além de cantar de joelhos durante toda a ópera, foi dar forma física a essa transformação, da alegria inicial ao medo de si próprio, encontrar essa enorme transformação psicológica na composição corporal, misturando a sensação provocada pela recusa amorosa com aquela que tem a ver com a recusa de si próprio.” Isso sem perder de vista as sugestões da música. “É uma partitura maravilhosa, que pertence ao fim do romantismo ao mesmo tempo em que olha para o futuro”, diz o tenor, que terá ao seu lado no palco as sopranos Maria Galevi, Raissa Amaral e o baixo Gustavo Lassen, entre outros.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.