Entretenimento e Cultura

'O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram'

‘O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram’ ‘O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram’ ‘O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram’ ‘O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram’

Sabe aquela sensação de que o artista é praticamente da família? Por vezes, rimos e até conversamos com ele, enquanto aparece em um filme, uma série ou uma novela. Assim é a relação de um fã com seu ídolo. Distanciar-se do sentimento de perda quando estamos diante da morte, inclusive em relação àqueles que nunca vimos pessoalmente, é praticamente impossível. É assim com a perda de Paulo Gustavo, que morreu em decorrência de complicações da covid-19 nesta terça-feira, 4. “Eu gostava tanto dele! Parece que se foi um membro da família. Quando vi na TV, não deu pra conter as lágrimas”, declara a auxiliar administrativa Adriana Pelege.

O psicanalista Leonardo Goldberg, doutor em Psicologia pela USP e autor do livro Das Tumbas às Redes Sociais, avalia que esse luto desfaz toda a fragmentação social do País e torna a dor coletiva. “O Brasil inteiro conhece os muitos Paulos que se foram: a mãezona Dona Hermínia, o malandro Valdomiro, o descontraído Aníbal. Perdemos, além de um sujeito com o qual era fácil de se admirar e se identificar, que era pai, mãe, amante, amado, que abrigava sua família visivelmente pela via do amor, um pedaço de nossas pequenas histórias, do riso que produz intimidade entre o ator e o público e dos compartilhamentos gerados por isso”, ressalta.

O fato de muita gente buscar justificativas para a morte diante da covid-19, como comorbidades ou idade avançada, parece não fazer sentido. Antes de contrair o vírus, Paulo Gustavo estava sadio, aos 42 anos. “Quando a morte se apresenta através de um desastre e, portanto, a admitimos como um ‘acidente’ de percurso, a primeira coisa que a população faz é uma equação que calcula diferenças entre o falecido e nós mesmos: comorbidades, probabilidades, descuidos. Quando um sujeito novo, saudável, produtivo e alegre se vai, isso desmonta toda nossa equação e emite um alerta: há um incontrolável da pandemia que coloca todos em risco e nossa única opção é acolher os alertas da ciência diante disso”, considera Leonardo Goldberg.

É esse o sentimento refletido no levantamento da AP Exata, que monitora as oscilações dos sentimentos entre brasileiros no Twitter desde o início do governo Bolsonaro. Mariana Pereira Ceolin, sócia-diretora da empresa de Inteligência em Comunicação Digital, explica que o presidente vinha recuperando apoio nas últimas semanas em razão da aprovação do novo auxílio emergencial. Mas, com a morte de Paulo Gustavo, houve uma queda brusca em sentimentos como confiança em relação ao governo (de 24% na terça para 14% na quarta) e aumento na tristeza (de 33% na terça para 43% na quarta). Segundo Mariana, o sistema de inteligência artificial consegue detectar essas mudanças de humor nos internautas em tempo real.

De acordo com o levantamento, as sucessivas recusas de compra de vacinas foram recordadas nas redes. Internautas repetiram que o governo recusou imunizantes por 11 vezes diferentes e que Paulo Gustavo e outros brasileiros continuam morrendo diariamente de uma doença na qual já existe uma forma de conter o contágio. Hashtags como #ForaBolsonaro e #BolsonaroGenocida tiveram um crescimento expressivo e entraram entre os tópicos mais comentados do Twitter. Menções com ofensas ao presidente também aumentaram, motivados principalmente por posts do influenciador Felipe Neto e do escritor Paulo Coelho, que responsabilizaram diretamente o governo pela morte do ator e de outros brasileiros vítimas da covid-19 por falta de vacinas.

A comoção entre os brasileiros não começou com a morte do ator, e sim no instante em que Paulo Gustavo deu entrada na UTI por causa da covid-19, em março. Ele intubado, recebeu o auxílio de um pulmão artificial e, a cada boletim médico otimista que era divulgado, a esperança surgia. Não foram poucas as ações nas redes sociais que pediam orações por sua recuperação. O mesmo ocorreu após a morte do artista. “Devido ao distanciamento social, os ritos fúnebres presenciais são evitados, as homenagens e toda escrita para e sobre os mortos pode confortar os vivos através do compartilhamento de lembranças e afetos”, explica Leonardo Goldberg.

Para tentar aliviar a dor dos brasileiros, a psicóloga Juliana Guimarães enfatiza que é preciso acolher os sentimentos e dar voz às emoções: “Use as redes de apoio possíveis nesse momento. O luto coletivo também traz uma sensação de pertencimento. Não estamos sozinhos. Pode chorar, sentir raiva, cansaço, tudo o que uma experiência de dor nos traz”.

O humorista Fabio Porchat resumiu, em seu post, um pouco do sentimento que acometeu o Brasil com a morte de Paulo Gustavo. “Hoje, a vida perdeu um pouco da graça. O Brasil perde um pedaço precioso seu”, escreveu.

Obras assistenciais

Além de fazer o Brasil rir, Paulo Gustavo também fazia caridade – sem colocar seus atos nos holofotes. O Padre Júlio Lancellotti, conhecido por seu trabalho com moradores de rua, postou que o humorista doou R$ 600 mil para a construção de uma unidade de oncologia para as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). Além dessa doação, o ator fez outras à instituição, totalizando R$ 1,5 milhão.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.