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'Os Luminares' reúne 12 homens em um inferno astral

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São Paulo – Os Luminares é uma espécie de quebra-cabeças que vai se esfarelando. É como se, no decorrer da montagem, perdêssemos o interesse pelo todo da paisagem e nos atêssemos a determinadas peças e conjuntos de peças, a certos recortes. Com suas quase 900 páginas que se permitem ler sem maiores dificuldades e com enorme prazer, o segundo romance de Eleanor Catton, filha de neozelandeses nascida no Canadá em 1985, transporta-nos para outro continente e outro século, em meio à corrida pelo ouro na Nova Zelândia, no que o leitor é instado a olhar não para o chão, mas para o firmamento.

A autora estruturou a narrativa seguindo parâmetros astrológicos. Cada um dos personagens é associado a um dos signos do zodíaco ou a um corpo celeste. A partir daí, algumas de suas características e seus encontros, relações, conflitos e desencontros obedecem ao plano geral daquela ordenação. Cada uma das 12 partes do livro é introduzida por um mapa zodiacal e os capítulos têm títulos como Vênus em Capricórnio, Luz Crescente em Áries e Nó Verdadeiro em Virgem. Não é algo gratuito e tampouco novo: Chaucer estruturou seu poema Troilo e Créssida de modo semelhante.

N’Os Luminares, Catton usa essa formatação para erigir uma história que envolve garimpeiros, prostitutas, chineses, traficantes de ópio, marujos e vários outros personagens, todos direta ou indiretamente metidos em um enredo repleto de fraudes, chantagens, assassinatos e naufrágios. O epicentro é um vilarejo recém-fundado chamado Hokitika, “uma mancha em movimento, que ia e vinha conforme a neblina”, cidade cuja descrição guarda uma similitude com a própria estrutura do romance, posto que, nos dizeres de um personagem, a tradução de seu nome, uma palavra maori, é algo como “ao redor” e “então de volta ao começo”.

Para tentar resumir a intriga, cuja maior parte se dá entre meados de 1865 e 1866, é necessário demarcar alguns eventos de que somos informados na primeira parte do livro, quando o escocês Walter Moody chega a Hokitika com a intenção de prospectar e se depara com uma heterodoxa reunião de (claro) 12 homens. Depois de ganhar a confiança deles contando parte da própria história, Moody é inteirado da morte de um ex-garimpeiro, em cuja residência foi encontrada uma grande quantidade de ouro, do desaparecimento de um jovem e rico empreendedor e de como uma prostituta requisitadíssima foi achada no meio da estrada, sob efeito do que parece uma dose cavalar (ou envenenada) de ópio. Em meio às impressões trocadas, às coincidências e ao mistério, impõe-se a figura ameaçadora de Francis Carver, capitão de uma embarcação que arrancara de um político proeminente por meio de chantagem, com a ajuda de sua parceira, Lydia Wells. O casal é ligado a um sem-número de crimes, e a extensão de sua perversidade é primeiro sugerida, depois explicitada e, por fim, já na parte final (quando acontecimentos anteriores aos do início são abordados diretamente, como a chegada e a cooptação da prostituta, Anna, por Lydia, e a tal chantagem), destrinchada.

Para dar conta dessa constelação narrativa, Catton recorre a uma prosa definida por alguns como “neovitoriana”, altissonante e absorvente. Ao mesmo tempo em que acorrenta o leitor às ramificações e reviravoltas da história, com direito, inclusive, a uma longa cena de tribunal (cujo desfecho chocante envolve um assassinato), a autora aponta para a incapacidade de um esclarecimento completo, seja dos eventos narrados, seja dos personagens envolvidos, seja do próprio ato de contar uma história. Por mais que se debruce sobre o que e como aconteceu e com quem, Catton sempre deixa algo no ar, como se o mistério maior não dissesse respeito aos acontecimentos e, sim, à nossa incapacidade de abraçá-los em sua totalidade. E é justamente essa compreensão da beleza quimérica intrínseca à literatura que faz d’Os Luminares um romance irretocável em sua incompletude essencial.