
A preservação dos patrimônios culturais deixou há muito tempo de ser apenas um compromisso com a memória, com a história local. Quando um espaço histórico é recuperado, revitalizado, ele movimenta inclusive a economia da região, gerando emprego e renda.
Isso é o que mostra um estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que enfatiza que prédios históricos revitalizados podem funcionar como “âncoras do desenvolvimento econômico, movimentando o comércio, atraindo turistas e gerando emprego e renda”.
“A restituição da função social do patrimônio e sua reintegração ao cotidiano das cidades, em todos os aspectos, induzem a um processo de revitalização de caráter permanente”, afirma o estudo intitulado “A preservação do patrimônio cultural como âncora do desenvolvimento econômico”.
Clique aqui e veja o estudo na íntegra.
No Espírito Santo, equipamentos como o Teatro Carlos Gomes e os Armazéns do Porto, ambos símbolos da história capixaba e localizados no Centro de Vitória, viveram longos períodos fechados e passaram anos sem oferecer atividade à população.
Agora, com obras em andamento e retomadas já agendadas, voltam a aparecer na agenda cultural, animam empresários e comerciantes locais e reacendem discussões sobre a importância desses espaços para a vida urbana.

O Teatro Carlos Gomes, que ficou oito anos fechado, está sendo inaugurado neste final de semana, 22, de novembro, com show na Praça Costa Pereira e até apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado. O local, completamente restaurado, comporta 450 pessoas terá inclusive cafeteria.
Já o Armazém 5 do Porto de Vitória, inaugurado no final de outubro, já está com exposição aberta e deve receber inclusive festivais de música, feiras literárias e outros eventos culturais.
Muitas dessas obras de revitalização de equipamentos históricos culturais são resultado do Programa Fundo a Fundo, uma ação criada em 2021 pelo governo do Estado e que já destinou R$ 39 milhões para restauro e requalificação de imóveis em 13 municípios, em todas as regiões capixabas.
Igreja restaurada movimenta comércio em Viana
Assim como o Teatro Carlos Gomes e os Armazéns do Porto, um exemplo de entrega pelo Programa Fundo a Fundo é a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, no Centro de Viana, que foi restaurada e reinaugurada em junho de 2025.
As obras, iniciadas em 2024, contaram com investimento total de R$ 469,6 mil do Fundo a Fundo, sendo R$ 463,4 mil repassados pelo Estado e R$ 6,1 mil pelo município.

A igreja passou por recuperação estrutural, pintura interna e externa, troca do telhado, melhoria do forro e ganhou medidas para evitar infiltrações. Além disso, o entorno também recebeu intervenções.
O templo, construído entre 1815 e 1817 por colonos açorianos, é tombado pelo Conselho Estadual de Cultura e guarda particularidades que o tornam único, como as torres diferentes, resultado de um incêndio provocado por um raio em 1848.
Loja ampliou vendas em 20% após reforma da igreja
A revitalização da igreja não trouxe apenas beleza ao Centro de Viana. Para a economia local, os efeitos foram imediatos. Prova disso é a experiência de Celeste das Graças Grijó, moradora do município e proprietária de uma loja de artigos religiosos e roupas há 23 anos. Ela afirma que o movimento aumentou cerca de 20% após a restauração da igreja.
As pessoas estão procurando mais terços, camisas religiosas, lembranças. A igreja voltou a ficar cheia, e quando as pessoas vêm para cá, passam no comércio.”
Celeste das Graças Grijó, comerciante de Viana

Além dos fiéis da cidade, muitos visitantes são trabalhadores de fora de Viana, que atuam em obras de energia e outras atividades, e frequentam o templo. Segundo Celeste, eles levam lembranças para familiares até de outros estados.
A loja também incorporou produtos produzidos por artesãos locais, como peças do Ateliê Paz e Bem. “Ele faz coisas ligadas a Viana, aos pontos turísticos, principalmente à Matriz. São produtos lindos, cheios de significado”, relata.
Para ela, a tendência é de crescimento na região, tudo em função da reforma da igreja histórica.
A estação vai virar um restaurante, novas coisas estão sendo feitas no Centro. Tudo isso melhora o movimento. A cidade está crescendo, e o comércio cresce junto”.
Celeste das Graças Grijó, comerciante de Viana
Para a subsecretária de Cultura de Viana, Josi Gallina, a igreja é um dos cartões-postais mais importantes do município. “É um monumento que captura visitantes. Muita gente passa pela BR, vê a igreja e entra para conhecer”, revela.

Ela explica que o restauro devolve o monumento não apenas aos turistas, mas à comunidade. “Essa igreja tem mais de 200 anos de história e está diretamente ligada à festa do Divino Espírito Santo, que é preservada pela comunidade. É uma forma de devolver esse cuidado”, fala.
Patrimônios fechados, cidades estagnadas
Na avaliação do arquiteto Ivan Rocha, especialista em urbanismo social, quando um patrimônio permanece fechado, o impacto se espalha pelo território: afeta segurança, lazer, economia e até a autoestima da população.
Um espaço parado gera insegurança, deterioração, problemas de saúde pública e abre margem para ocupações inadequadas. Se tem uso, passa a ser mais seguro e interessante. Mas ele precisa conversar com o território.”
Ivan Rocha, arquiteto
Ivan Rocha destaca que é comum que moradores deixem de se reconhecer nos territórios quando símbolos da identidade local estão abandonados.
Ele cita o Teatro Carlos Gomes, o Palácio Anchieta e o Saldanha da Gama como exemplos de bens que, quando ativos, fortalecem a construção de identidade do capixaba.
“A gente precisa dessa conexão. Esses prédios reforçam nossa cultura, nossa história. Requalificar é fundamental. Obviamente tem a geração de renda, turismo, a própria cultura”, diz.

Ainda para o especialista, revitalizar não é apenas reformar, é devolver função, criar agenda cultural acessível, reforçar mobilidade urbana e garantir que as atrações dialoguem com o cotidiano dos moradores, e não apenas com turistas.
Não existe solução simples para problemas complexos. É preciso ouvir a comunidade, construir projetos juntos, ter recursos e garantir que a cidade seja democrática. Cultura tem que falar com quem vive na cidade, senão vira algo distante.”
Ivan Rocha, arquiteto
Como funciona o Fundo a Fundo
O Programa de Coinvestimento da Cultura – Fundo a Fundo, que transfere recursos do Estado diretamente aos Fundos Municipais de Cultura, tem como objetivo incentivar e até mesmo facilitar o incremento na cultura e nos patrimônios históricos, descentralizando investimentos e garantindo que as cidades estabeleçam suas próprias políticas de fomento ao receberem os recursos.
Segundo o secretário de Estado da Cultura (Secult), Fabrício Noronha, o programa já soma 53 parcerias e R$ 39 milhões investidos de 2021 até agora. Outro montante, mais R$ 40 milhões, está disponível até 14 de dezembro deste ano para que os municípios enviem novos projetos.

O Fundo a Fundo permite que municípios inscrevam projetos para obras, restauro, aquisição de equipamentos e até elaboração de projetos arquitetônicos. Em sua nova edição, o programa passou a aceitar também reformas de espaços culturais não tombados, como teatros e museus.
Outro diferencial é a possibilidade de participação de imóveis privados, como igrejas, desde que haja parceria com a prefeitura. Foi assim, por exemplo, com a Igreja Luterana de Domingos Martins, uma das beneficiadas.
Fabrício destaca que o Espírito Santo conta com uma política inédita no Brasil, já replicada por estados como Ceará e Paraná.
É uma política robusta de preservação do patrimônio cultural. Com esses imóveis preservados, atraímos visitantes, fortalecemos a história local e estimulamos o comércio e a gastronomia”.
Fabrício Noronha, secretário de Estado da Cultura
Segundo a Secretaria de Estado da Cultura, até 2021, apenas 15 dos 78 municípios capixabas tinham legislação e conselhos municipais de Cultura. Atualmente, já são 71, um salto que evidencia o caráter estruturante da política.
Museu, estação ferroviária, igreja e porto: resultados concretos
Os resultados de obras financiadas pelo Fundo a Fundo estão de Norte a Sul do Espírito Santo. São exemplos:
- Museu Ferroviário Domingos Lage, em Cachoeiro de Itapemirim
- Estação Ferroviária de Matilde, em Alfredo Chaves
- Requalificação urbana do Porto de São Mateus
- Restauro da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Viana
Nesta semana, também foi assinado o termo de início das obras de restauro dos casarios do sítio histórico de São Mateus. É a nova etapa da revitalização local, que começou com a praça já entregue, de R$ 11 milhões.