
Uma triste realidade: praticamente metade dos capixabas não tem o hábito da leitura. É o que aponta a 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, que detalha que, em 2024, 47% dos brasileiros leram ao menos um livro nos três meses anteriores ao levantamento.
No Espírito Santo, esse percentual foi até um pouco maior, 53%, mas revela que 47% não possuem o hábito de parar para ler um livro.
Os dados mostram ainda as razões que afastam o brasileiro dos livros. Entre os leitores, 55% afirmaram que não leram mais por falta de tempo. Já entre os não leitores, o principal motivo é o desinteresse: 33% dizem simplesmente “não gostar de ler”.
A Pesquisa “Retratos da Leitura” foi realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Ministério da Cultura e a Fundação Itaú.
Percentual de leitores por estado:
Leitores por estado de Breno RibeiroVeja a pesquisa por Região:
Leitores no Brasil de Breno RibeiroCom esse panorama, surge uma pergunta: o que tem sido feito para mudar esse cenário e estimular o gosto pela leitura? Quais ações são realizadas especialmente entre crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social?
No Espírito Santo, iniciativas comunitárias e políticas públicas têm unido esforços para aproximar a população dos livros e transformar o ato de ler em um hábito acessível e prazeroso.
“Juntamos a fome com a vontade de aprender”

No bairro Normília da Cunha, na Região 5 de Vila Velha, o Projeto Mais Amor se tornou um exemplo de como o acesso à leitura pode mudar vidas.
Criado há mais de 20 anos por Adriana Silvério, o espaço começou como uma simples ação solidária: alimentar crianças da comunidade que enfrentavam a fome e a falta de perspectiva. Mas se transformou em local de leitura, aulas e acesso à cultura.
Sou mãe de quatro filhos e via a dificuldade de mantê-los no caminho certo. No início, o projeto era só para alimentar. Depois, percebi que precisava ir além. Primeiro a comida trazia as crianças, mas foi a leitura que as mantinha aqui”.
Adriana Silvério, do Projeto Mais Amor
A iniciativa, que começou dentro da casa dela, cresceu tanto que foi preciso derrubar as paredes e reconstruir o espaço. Hoje, o Mais Amor atende mais de 300 crianças e adolescentes, além de cerca de 35 adultos, oferecendo aulas de reforço escolar, hip-hop, musicalização, espanhol e até atendimento terapêutico para os pais.
Entre os livros doados e as histórias que se multiplicam, muitas crianças descobriram o prazer de ler pela primeira vez.
“A gente servia sopa com a palavra, café com a palavra. Eles vinham pela comida, mas ficavam pela leitura. Juntamos a fome com a vontade de aprender”, lembra Adriana.
“Eu tinha dificuldade de ler, agora leio muito bem”
Um dos pequenos leitores do projeto é Arthur Oliveira, de 8 anos. Antes, o menino passava horas no celular e tinha dificuldade para ler, mas a rotina dele mudou depois que começou a frequentar o Mais Amor.
“Eu gosto de ler. Tinha muita dificuldade no primeiro ano, e agora consigo ler muito bem”, conta Arthur, orgulhoso. Ele frequenta o projeto pela manhã e vai para a escola à tarde.
Leitor assíduo, o pequeno sonha alto: “Quero ser biólogo e arqueólogo. Preciso estudar muito para isso!”.
O pai do leitor-mirim, Elson Oliveira, conta que percebeu uma grande transformação no filho com o acesso mais frequente aos livros.

Arthur se desenvolveu muito. Ele lê em casa, faz os deveres certinho. Antes, ficava só no celular, mas agora é outro comportamento.
Elson Oliveira, pai do Arthur Oliveira
A mãe, Michelle, complementa: “Coloquei Arthur aqui no projeto para ele sair das telas. Hoje, além de ler mais, meu filho se concentra melhor e até as notas na escola melhoraram. Tudo por causa da leityura”, afirma.
“A leitura salvou meu filho”: a força de uma história que inspira
Outra história que nasceu dentro do projeto é a do adolescente Riquelme Monteiro, hoje com 14 anos. Ele começou a frequentar o Mais Amor ainda criança e se apaixonou pela leitura.
“Li toda a saga Percy Jackson, vários livros de Harry Potter e até romances. Isso me ajudou muito na escola, principalmente no português”, relata.

Rayane Monteiro, mãe do adolescente, emociona-se ao lembrar da mudança: “Riquelme era muito calado e sofreu bullying na escola. Depois que começou a ler, se abriu para o mundo. Hoje conversa com todo mundo. A leitura e o projeto transformaram a vida dele”.
O garoto deixou o projeto há um ano por causa da rotina de estudos e cursos, mas continua lendo. “Quem gosta de ler não para nunca”, afirma.
Bibliotecas até nos terminais
Se projetos comunitários têm sido essenciais para formar novos leitores, políticas públicas também têm um papel decisivo. Um exemplo é a Biblioteca Transcol, iniciativa da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult), que está levando livros aos terminais de ônibus da Grande Vitória.
Criado em 2007, o projeto foi interrompido durante a pandemia e retomado em 2025 com acervo totalmente novo. Hoje, nove terminais contam com módulos de leitura, e em apenas três meses o programa ultrapassou 10 mil empréstimos e 7.560 leitores cadastrados.
Segundo a gerente de Livro e Leitura da Secult, Ana Laura Nahas, a nova fase trouxe muitas inovações.
Cada módulo tem 1 mil livros novos, com curadoria que mistura clássicos e lançamentos. Temos livros capixabas, infantis, audiobooks e obras em braille. O objetivo é democratizar o acesso à leitura.
Ana Laura Nahas, gerente de Livro e Leitura da Secult
Além do empréstimo gratuito, que pode ser feito com cadastro rápido, inclusive online, a Biblioteca Transcol realiza eventos mensais com artistas locais, contação de histórias e peças teatrais.
“Queremos mostrar que ler não precisa ser um ato solitário. É uma experiência coletiva, cultural e viva”, diz Ana Laura.

Jovens leitores ganham destaque nos terminais
Os dados do projeto revelam que o público jovem é o mais ativo nas bibliotecas instaladas nos terminais. Pessoas entre 20 e 34 anos lideram os empréstimos, seguidos por adolescentes entre 12 e 19 anos.
E um detalha chama a atenção: juntos, crianças e adolescentes já representam 35% do total de empréstimos.
Com o sistema interligado, é possível pegar um livro em um terminal e devolver em outro, além de consultar o acervo e reservar títulos pelo site bibliotecatranscol.com.br.
“Essa integração facilita a vida do leitor e amplia o acesso. Afinal, nem todo mundo tem tempo ou dinheiro para comprar livros”, reforça Ana Laura Nahas.
Clubes de leitura em territórios mais vulneráveis
Outra iniciativa estadual que busca ampliar o acesso à leitura é o Projeto Lugares de Ler, que cria núcleos de leitura em comunidades atendidas pelo programa Estado Presente em Defesa da Vida.
Levamos bibliotecas e clubes de leitura a territórios com alta vulnerabilidade social. A comunidade participa da escolha dos livros, das atividades e fica com a biblioteca ao final do ciclo.
Ana Laura Nahas, gerente de Livro e Leitura da Secult
Segundo a Secult, em 2024, o projeto realizou 419 atividades em 10 territórios de 7 municípios, com R$ 600 mil em investimentos. O segundo ciclo, iniciado em 2025, prevê 400 novas atividades, a aquisição de 2 mil livros e a participação de 3 mil pessoas.
Incentivo à produção literária
Se por um lado há o incentivo à leitura, por outro é preciso formar novos escritores, trazendo novas publicações para o mercado. Segundo a Secult, há ações públicas também para apoiar quem escreve.
Desde 2019, os editais de publicação de livros já financiaram 154 obras no Espírito Santo, com investimento de R$ 4,6 milhões. Em 2024, o número de contemplados aumentou de 35 para 44 autores, e o investimento saltou para R$ 1,7 milhão.
Entre as publicações apoiadas, uma conquista merece destaque: o livro “Guia Anônima”, de Júnia Zaidan, lançado em 2020, foi finalista do Prêmio Jabuti em 2023, o mais prestigiado da literatura nacional.
“Nós trabalhamos toda a cadeia do livro: o autor, que precisa produzir e publicar, e o leitor, que precisa ter acesso. É um esforço para manter viva a literatura capixaba e formar novos leitores”, resume Ana Laura.
Outro avanço é a ampliação da rede estadual de bibliotecas públicas. O número de espaços ativos no Sistema Estadual de Bibliotecas passou de 30 em 2023 para 75 em 2025 em território capixaba, resultado de um trabalho de rearticulação, doações de acervo e treinamentos.
Esses espaços se tornam pontos de encontro, aprendizado e cultura, fundamentais para mudar o cenário da pesquisa nacional, que aponta o Brasil ainda distante do ideal de um país leitor, segundo Nahas.
Quer saber onde fica a biblioteca mais próxima de você? Clique no arquivo abaixo e descubra os endereços, horários de funcionamento e serviços disponíveis em todo o Estado:
Ações das prefeituras para incentivar a leitura
Além das ações estaduais e comunitárias, os municípios da Grande Vitória também desenvolvem iniciativas próprias para aproximar a população dos livros e da leitura.
Em Vitória, a Secretaria Municipal de Cultura detalhou que mantém a Biblioteca Municipal Adelpho Poli Monjardim, que promove ações contínuas de incentivo à leitura e à circulação de livros. Entre elas, a Banca Troca de Livros, realizada mensalmente na biblioteca e no Espaço do Servidor da prefeitura, e o projeto Pegue, Leve e Leia, que doa livros ao público em qualquer período do mês.
Outro destaque é o projeto Viagem pela Literatura, que leva minibibliotecas itinerantes, conhecidas como Caixas-Estantes, a locais com menor acesso a livros, como os Centros de Convivência de Caratoíra, Romão, Nova Palestina, Bela Vista, Bonfim e Do Quadro, além da Fundação Batista, no bairro São José. O projeto também promove encontros com escritores, contadores de histórias e músicos em parques, praças e auditórios da cidade.

A Capital conta ainda com bibliotecas especializadas, como as da Fafi e do Mucane, ambas ligadas à Semc, além das bibliotecas escolares da rede municipal.
Na Serra, duas bibliotecas públicas estão abertas à população: a Biblioteca Belmiro Geraldo Castello, em Serra Sede, e a Biblioteca e Centro Cultural Carlos Corrêa Loyola, em Valparaíso. Ambas oferecem empréstimo gratuito de livros e cadastro simples com documento e comprovante de residência.
A unidade de Valparaíso se destaca pelo atendimento a pessoas com deficiência visual, com acervo de quase 10 mil livros, incluindo 600 títulos em braille.
O município também mantém o projeto LiteraSerra, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação, que incentiva o hábito da leitura nas escolas da rede, promove formações para professores e apoia a criação de bibliotecas escolares e cantinhos de leitura desde a educação infantil.
Em Viana, a população tem acesso à Biblioteca Pública Municipal, que oferece empréstimo gratuito de obras literárias e computadores para pesquisa.
O espaço passa por um processo de reforma e modernização, que inclui ampliação do acervo e atualização dos equipamentos. Durante as obras, parte dos livros está disponível ao público na Galeria de Arte Casarão, em Viana Sede, com atendimento de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
Em Guarapari, a Biblioteca Pública Municipal funciona no Complexo Esportivo Maurice Santos, no bairro Muquiçaba. O atendimento ocorre atualmente no turno da manhã, em razão de adequações no quadro de servidores.
A prefeitura informou que está em fase final de elaboração o edital de um processo seletivo para bibliotecário, previsto para o início de 2026, o que garantirá a continuidade do serviço de forma regular e ampliada. Disse ainda que todas as escolas da rede municipal contam com bibliotecas próprias.
As prefeituras de Cariacica e Vila Velha foram procuradas pela reportagem, mas não responderam até o fechamento desta matéria.