Descida da Cruz, de Rembrandt van Rijn,Água-forte (etching), com buril e ponta-seca, 1633. (Foto: Flavia Dalla )
Descida da Cruz, de Rembrandt van Rijn,Água-forte (etching), com buril e ponta-seca, 1633. (Foto: Flavia Dalla )

Rembrandt van Rijn é um artista cuja potência atravessa séculos sem perder a capacidade de nos interpelar. Considerado um dos maiores mestres do barroco europeu, sua obra permanece vibrante, porque opera no domínio da técnica e no campo das percepções fundamentais: a luz e a sombra como terreno para investigar a complexidade humana.

Esses elementos, trabalhados com rigor quase alquímico, continuam a reverberar em museus, publicações, estudos acadêmicos e, agora, em um circuito expositivo que percorre o Brasil.

Descida da Cruz, de Rembrandt van Rijn,Água-forte (etching), com buril e ponta-seca, 1633. (Foto: Flavia Dalla )
Descida da Cruz, de Rembrandt van Rijn,Água-forte (etching), com buril e ponta-seca, 1633. (Foto: Flavia Dalla )

Depois de passar pelos Correios, no Rio de Janeiro, a mostra Mestre da Luz e da Sombra está em cartaz na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, e chega a Vitória, em fevereiro de 2026. É um raro privilégio poder encontrar, tão perto, um conjunto expressivo de gravuras do artista holandês, cuja maestria técnica e potência narrativa revolucionaram a história da arte.

Se a pintura de Rembrandt é celebrada, sua produção gráfica é, para muitos, uma descoberta. E é justamente na gravura que o artista alcança algumas de suas realizações mais profundas. Rembrandt utilizava água-forte com ponta seca em placas de cobre, suporte onde alterava matrizes, raspava, recortava, ampliava zonas de sombra para intensificar emoções. Em obras como A Fuga para o Egito (1633) ou A Ressurreição de Lázaro (1632), a luz não é apenas um recurso visual — é protagonista, condutora da narrativa, reveladora da essência humana.

Coleção italiana

As gravuras de Rembrandt em circulação pelo país provêm de uma coleção privada italiana, administrada pela The Art Co. e acompanhada cientificamente pela Rede dos Museus da Região Marche Nord, na Itália. O conjunto reúne 69 gravuras originais do artista, produzidas entre 1629 e 1665, abrangendo temas bíblicos, cenas cotidianas, autorretratos e estudos de luz. Trata-se de um núcleo raro e significativo, que corresponde a quase um quarto de toda a produção gráfica de Rembrandt — um testemunho direto de sua experimentação formal e de seu domínio profundo da técnica da gravura.

A expografia convida a presença do espectador, em geral, esse sujeito desatento que fotografa a obra antes de olhá-la. E para conduzir essa aproximação são criados espaços de pausa, vídeos informativos sobre a coleção italiana, acessibilidade para os trabalhos e, ao final, uma grande tela que dá movimento ao artista, em efeitos criados por inteligência artificial.

Foto da autora

Um aspecto que merece destaque especial é o fato desta exposição ser uma produção 100% capixaba. Todo o projeto — da concepção aos materiais gráficos, do planejamento expográfico à execução — foi realizado por profissionais do Espírito Santo. É significativo que um conjunto tão importante da história da arte esteja viajando o país sob a expertise de uma equipe local, que afirma a importância da profissionalização do segmento em suas diversas camadas de atuação e do posicionamento do Estado no cenário cultural .

A chegada da exposição a Vitória oferece uma ocasião privilegiada para analisar, de perto, o rigor técnico e a complexidade formal da produção gráfica de Rembrandt. Suas gravuras evidenciam não apenas a maestria no uso do claro-escuro, mas também um modo particular de construir narrativa visual por meio de sucessivas camadas de incidência de luz, raspagem, reinterpretação e reimpressão.

O contato direto com esse conjunto permite observar como o artista desloca o papel da sombra — não como ausência, mas como estrutura que organiza o espaço e orienta a leitura. Diante dessas obras, somos convidados a examinar relações entre processo, materialidade e percepção: a luz que constrói o volume, a linha que se autonomiza, o gesto que reconfigura a matriz.

Flávia Dalla Bernardina

Colunista

Advogada em Propriedade Intelectual, mestre em Artes Visuais pela Ufes, curadora de arte, diretora artística na Galeria Matias Brotas. É pesquisadora das relações entre direito e arte, sobretudo no que tange à autoria.

Advogada em Propriedade Intelectual, mestre em Artes Visuais pela Ufes, curadora de arte, diretora artística na Galeria Matias Brotas. É pesquisadora das relações entre direito e arte, sobretudo no que tange à autoria.