Entretenimento e Cultura

'Scarface', com Al Pacino, volta em cópia restaurada

‘Scarface’, com Al Pacino, volta em cópia restaurada ‘Scarface’, com Al Pacino, volta em cópia restaurada ‘Scarface’, com Al Pacino, volta em cópia restaurada ‘Scarface’, com Al Pacino, volta em cópia restaurada

São Paulo – Conta a lenda que a banda Blink/182 se chama assim por causa de Scarface, longa que Brian De Palma realizou em 1983. Na época, De Palma já era um diretor de prestígio, e um dos autores mais importantes da geração de Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. Como eles, De Palma reformulou não só a estética como o próprio processo de produção em Hollywood nos anos 1970. Seu modelo de cinema de gênero era o clássico Psicose, de Alfred Hitchcock. De Palma citou muitas vezes (recriou?) a célebre cena do assassinato de Marion Crane/Janet Leigh na ducha, mas em Scarface ele se voltou para outro clássico de gênero. No começo dos anos 1930, Howard Hawks estabelecera, com o Scarface de Paul Muni, um modelo poderoso para o cinema de gangsteres. De Palma, com a cumplicidade de Al Pacino, refez Scarface, e de forma mais violenta ainda. E o 182? É o número de vezes que a palavra ‘fuck’ é repetida em cena.

Nos anos 1970/80, o cinemão estava se reinventando. A nova Hollywood substituía a velha. Autores jovens, que haviam aprendido cinema na escola, traziam para a tela a ousadia da nova geração. Ela se traduzia em liberdade de tom, de linguagem. E muita, muita violência. Scarface conta a história de um imigrante cubano, Tony Montana, que vira czar das drogas em Miami. De Palma inicia seu filme de forma documentária – balseiros abandonam Cuba e o próprio Fidel Castro diz: ‘Dejen que se vayan’. Eles vão, e realizam o sonho americano de sucesso e dinheiro traficando drogas.

A droga é o negócio de Tony/Scarface, mas o que o caracteriza é o método brutal. Em Hitchcock, o mestre do suspense, De Palma encontrou não só uma referência estética. Encontrou também uma ideia de homem, e de mundo. O personagem de De Palma será sempre o homem que não consegue controlar seus impulsos destrutivos. Ele destrói os outros ao redor, e no processo destrói-se.

À medida que sobe – e constrói um império -, Tony brutaliza a mulher, a irmã, o amigo. O incesto, que já era um terma na versão de Hawks, fica mais gráfico. Casado com Michelle Pfeiffer, num de seus primeiros papéis, Tony/Pacino tem fixação na irmã, Mary Elizabeth Mastrantonio. Quando seu lugar-tenente (Steven Bauer) e ela se apaixonam, Tony destrói o (ex)amigo. Descontrolado, ele viaja nas drogas e torna-se seu maior consumidor de cocaína. A mulher (Michelle) torna-se drogada com ele.

E dê-lhe violência, como você poderá ver neste final de semana (e na próxima quarta-feira). Scarface integra-se à série dos clássicos restaurados da rede Cinemark. A polícia cerca seu castelo e Tony, armado de metralhadora, dispara feito louco. Fuck-fuck-fuck. A palavra, dita 182 vezes – é o que sustentam as estatísticas, mas é bom checar, se você conseguir contar -, só não virou um recorde porque Scorsese foi ainda mais longe e em Os Bons Companheiros ela é dita mais de 200 vezes. Na época, a violência e o linguajar chulo assustaram o público e os críticos. Os cubanos anticastristas de Miami, sentindo-se ofendidos, fizeram campanha contra. O relativo fracasso de 1983 – o filme fez sucesso no exterior – virou objeto de culto. Só para você saber, Scarface era um dos filmes preferidos de Carlos Reichenbach, um notório cinéfilo, além de cineasta importante (e talentoso).

A jovem Michelle Pfeiffer é linda, Steven Bauer tem pinta de galã – mas não estourou na carreira. Pacino é assombroso. Não é difícil imaginar porque De Palma o escolheu. Afinal, em O Poderoso Chefão, 1 e 2, ele já havia feito a passagem do idealista que herda um império do crime e o mantém a ferro e fogo. Na saga dos Corleone, Pacino é sempre tenso. Controla-se. Quando explode, é terrível. Em Scarface, atua o tempo todo fora de controle. Quer dizer, ele atua para parecer fora de controle. Consegue. É mais um programa atraente na série de clássicos que o Cinemark (re)visita em versões restauradas.