!["Tremembé" é uma ideia em potencial, mas mal executada (Foto: Reprodução/]X/@PrimeVideoBR) "Tremembé" é uma ideia em potencial, mas mal executada (Foto: Reprodução/]X/@PrimeVideoBR)](https://uploads.folhavitoria.com.br/2025/11/suzane-von-richtofen-marina-ruy-barbosa-prime-video-seire.png)
Boa parte da minha opinião sobre os cinco episódios de “Tremembé”, produção brasileira da Prime Video, vem do impacto causado pelo primeiro capítulo. A experiência foi tão confusa que precisei de dois dias para continuar e confirmar as minhas suspeitas iniciais: sim, era tudo aquilo mesmo.
A minissérie, ambientada na famosa penitenciária paulista, parece pouco interessada em qualquer abordagem profunda. Pelo contrário, se comporta como uma novela disfarçada de drama criminal, lembrando um “Orange Is the New Black” genérico, só que sem o carisma. O foco maior está na pegação entre os detentos, não nas consequências de seus crimes.
“Big Brother Tremembé“
Nos primeiros minutos, tentam imitar o ritmo das produções de true crime sérias, mas o roteiro desiste rápido: falta coragem, densidade e impacto. Tudo é muito “light”, o que até poderia funcionar, se houvesse sensibilidade. O problema é que o roteiro se esquece de que aqueles personagens são assassinos reais, responsáveis por tragédias profundamente marcantes no imaginário brasileiro.
Assinado por um quinteto de roteiristas (sim, cinco pessoas escreveram isso), incluindo o autor de livros criminais, Ullisses Campbell, o texto adota uma estética caótica. Letreiros jogados na tela apresentam os criminosos com trilhas pop completamente desconexas — o que traz más recordações de “Esquadrão Suicida” de 2016. Festinhas, intrigas e cenas de sexo dentro da prisão substituem qualquer tentativa de reflexão ou de narrativa consistente. É quase um “Big Brother Tremembé”, só faltou o confessionário.
Os flashbacks dos crimes surgem em segundos, como se a produção tivesse medo do próprio tema. Não se trata de pedir cenas violentas, mas de exigir responsabilidade. Ao suavizar tudo, “Tremembé” transforma monstros reais em personagens caricatos. O tom é tão leve que os presos parecem estar em uma colônia de férias. Como podemos chamar isso de drama criminal?
E sobre a trilha sonora… ah, a trilha sonora. Quando “Perigosa”, das Frenéticas, embala as manipulações de Suzane von Richthofen, é impossível não rir. A decupagem é confusa, o ritmo desorientado e o roteiro não leva a lugar algum. Nem os trechos baseados nas anotações reais de Campbell escapam: tudo soa artificial e previsível.
Atores com carinha de mau
A caracterização física dos atores talvez seja o principal ponto positivo, especialmente o intérprete de Alexandre Nardoni, que ao menos lembra o real. Já as atrizes que vivem Elize Matsunaga e Anna Carolina Jatobá se esforçam para entregar atuações com camadas, mas são engolidas pela superficialidade geral.
O arco de Jatobá e Nardoni, inclusive, é o melhor desenvolvido, não que isso signifique muito. É apenas o único que parece ter algum peso dramático, enquanto o restante da minissérie falha em tratar com seriedade temas tão pesados, transmitindo a incômoda sensação de glamourização de criminosos.

Mas precisamos falar da Suzane von Richthofen de Marina Ruy Barbosa, que se aproxima mais de uma vilã de novela das sete do que de uma criminosa real, com caras e bocas e um tom afetado que chega a distrair do peso da história. Parte significativa dos episódios se dedica ao triângulo amoroso entre ela, Elize e Sandrão, que realmente aconteceu na prisão, porém, a forma como a narrativa é conduzida faz com que seja pouco interessante.
A direção não consegue transformar os elementos em tensão ou drama envolvente. Eu até poderia dizer que seria um bom trabalho se houvesse profundidade nas relações e complexidade entre as figuras abordadas, ao mesmo tempo que mantém o público preso à tela, mas não é o caso. Aqui é na base dos estereótipos mais rasos.
No final, “Tremembé” representa o true crime em sua forma mais rasa e descompromissada. O roteiro é pobre, as atuações carecem de verdade e há uma clara tentativa de copiar o estilo de Ryan Murphy, criador de “Monstro”, mas sem a ironia, a crítica ou o talento. O resultado é uma colagem de cenas sem nexo e um roteiro que se perde no sensacionalismo.
Os problemas e o fascínio pelo true crime
O audiovisual brasileiro parece preso a um ciclo problemático quando o assunto é true crime. O interesse em adaptar casos reais é compreensível, mas as execuções raramente funcionam. Obras como “A Menina que Matou os Pais” e “O Maníaco do Parque”, ambas dirigidas por Maurício Eça, compartilham os mesmos vícios: direção irregular, narrativas mornas e receio de encarar o horror com honestidade.
Desde que o formato virou produto de massa, o debate gira em torno da mesma questão: como contar histórias reais sem transformar tragédias em entretenimento barato? A antologia norte-americana “Monstro” se tornou um sucesso, mas também reacendeu essa polêmica. De um lado, há quem veja genialidade nas atuações e na construção emocional, de outro, quem critique a espetacularização da violência e o apagamento das vítimas.

Apesar da densidade psicológica, suas temporadas se perderam em exageros que se distanciaram da realidade. “Dahmer” foi elogiada pela fidelidade aos fatos, mas gerou debates sobre o risco de glorificar o assassino, ainda que traga reflexões sobre falhas sistêmicas. Já “Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais” tentou explorar as ambiguidades do caso, mas perdeu força com a inserção de elementos fictícios e reacendeu discussões éticas sobre o impacto do entretenimento na vida real.
Enquanto isso, a parte dedicada a Ed Gein buscou analisar o contexto cultural e o legado de seus crimes nos filmes de terror produzidos após sua época, mas acabou se perdendo em exageros e tramas sem propósito. Mostra que há um certo desgaste na antologia, embora ela siga apostando no apelo comercial do gênero, afinal uma nova temporada sobre Lizzie Borden já foi confirmada.
O fascínio por histórias de assassinos revela a nossa curiosidade diante do inumano. O true crime, afinal, é um espelho distorcido do que há de mais sombrio em nós. Mas quem são os monstros? Os criminosos, os cineastas que transformam tragédias em espetáculo ou nós, que assistimos tudo com interesse mórbido?
Ao meu ver, o problema surge quando a reflexão se perde e o crime vira estética. “Tremembé” é um exemplo claro disso: uma obra que não traz crítica nem desconforto, apenas reduz o horror a uma novelinha sobre criminosos. Um retrato de um gênero que, no Brasil, ainda não escolheu representar um caso brutal com a devida responsabilidade.