
Já passou da hora de pararmos com moralismo em torno do “true crime”. Existe fascinação em ler e consumir histórias reais sobre seres humanos que não agem como tal, que cortam, fatiam e esfacelam seus iguais.
Talvez acompanhar produções deste tipo faça até as pessoas se sentirem melhor consigo mesmas, um jeito de perceberem que no fim do dia, não são tão ruins como pensavam ser. “É, sou cheio de defeitos, mas isso eu nunca faria”, diz qualquer um ao assistir a um documentário sobre matanças e banhos de sangue.
Dito isso, “Monstro: A História de Ed Gein”, nova série de Ryan Murphy, disponível na Netflix, traz crime, agora o “true” parte (e muito) da boa vontade do interlocutor.
Após duas temporadas de mesmo nome, “Monstro” já contou a história de Jeffrey Dahmer e com uma segunda (e chatíssima) instalação sobre os Irmãos Menendez. Agora, em sua terceira tentativa, chega a sua narrativa mais decepcionante.
A produção segue a vida de Ed Gein (vivido por Charlie Hunnam), um dos mais bizarros assassinos norte-americanos, conhecido como o “Açougueiro de Plainfield”, Gein, tinha o hábito de exumar corpos no cemitério local e com a pele de mulheres mortas adornar móveis, fazer máscaras e roupas: sim, o cara vestia pele de cadáveres.
Algumas coisas são conhecidas sobre a vida de Gein: sua relação sufocante com a mãe e como era um esquisitão, solteiro e quase sem amigos, características comuns a alguns serial killers.
A criação de um monstro
Murphy mostra um Ed Gein sem muitas ambições, o maluco só quer saber mesmo é de agradar a mãe, que morre logo no início da trama. A relação entre os dois é dominante ao ponto de a matriarca proibir que o filho se relacione com qualquer mulher, pois segundo ela mesma: são seres devassos e sem moral.
Este é um ponto interessante da série, que traz o sexo e a sexualidade como tabus para o protagonista. Gein tem ao mesmo tempo fascinação e ojeriza ao feminino, o que o torna um ser conflitante, repelido pelas mulheres na vida pública e um homem que se veste com as roupas da mãe em particular.
A partir daí, Murphy passa para uma narrativa totalmente fantasiosa: Ed Gein é mostrado como um aficionado por histórias sobre campos de concentração nazista, em especial sobre Ilse Koch, supervisora do campo de Sachsenhausen, que contava a lenda, fazia abajures e mobília com a pele de prisioneiros judeus.
O sujeito fica fascinado e dessensibilizado com o sofrimento humano, passa a fantasiar e desejar fazer igual. Pela segunda vez Ed Gein tem como ídolo uma mulher sádica, uma “Jezebel”, como diria a mãe.
E este é um ponto central. As mulheres aqui são vistas como seres diferentes de humanos comuns. O personagem quer se relacionar com elas, mas também ser como elas, pois são criaturas, em sua visão, que cometem o mal sem que ele seja punido.
E mais uma vez, na série, todo este sentimento desagradável é apenas um reflexo da criação do assassino, a culpa é da mãe, nunca do próprio “serial killer”.
Os crimes
Oficialmente, Gein é considerado culpado por dois assassinatos. Mas na série tudo isso fica turvo, o protagonista é apontado como possível executor de diversos outros homicídios. Aqui começa uma “licença criativa” de Ryan Murphy que perdura até o final da série. O diretor quer contar uma história, mas não necessariamente a de Gein.
As sequências que mostram as mortes chegam a causar até certa raiva. Gein, no fim da vida, foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide, uma desculpa perfeita para que o diretor possa usar e abusar da imaginação enquanto o assassino tira a vida de suas vítimas.
Para Murphy, Ed Gein confundia realidade e a ficção criada por sua própria mente. Ele não simplesmente mata suas vítimas, o faz em meio a confete e lantejoulas de uma grande festa frequentada por oficiais da SS, enquanto tenta agradar a voz desencarnada da mãe morta, é patético.
Fora que antes de matar, Ed Gein, um conhecido solitário, é uma espécie de homem irresistível para jovens e solteironas, que encontram no rapaz de voz mansa algum tipo de conforto e desejado alvo de conquista sexual, uma chega a se tornar noiva e comparsa do matador em seus crimes, algo digno de aulas de escrita criativa de oitava série.
Inspiração
Ed Gein é inspiração para alguns dos mais famosos monstros do cinema de horror: Leatherface (O Massacre da Serra Elétrica), Buffalo Bill (O Silêncio dos Inocentes) e o mais famoso: Norman Bates, em Psicose.
Isso por conta do hábito de retirar a pele das vítimas, se vestir de mulher e também pela relação com a mãe. Essas inspirações ao cinema são usadas à exaustão na série de Ryan Murphy.
Uma hora vemos um homem psicótico arrombando túmulos para se vestir com a pele de mortas, para logo depois sermos transportados para uma conversa entre Alfred Hitchock e seus atores em um set de filmagem. É cansativo, desnecessário e transforma a série em uma colcha de retalhos.
Além dos monstros hollywoodianos, Gein também se torna na série uma espécie de ídolo e mentor para outros serial killers, que lhe enviam cartas apaixonadas sobre como ele os inspirou a tirar vidas. A sequência de encerramento entre o Açougueiro de Plainfield e seus asseclas é simplesmente risível.
A única coisa aproveitável é a ótima performance de Charlie Hunnam, que eleva seu alcance como ator a outro nível para longe dos “bad boys” que costuma encarnar nas grandes telas. Uma pena que seu trabalho seja diluído em uma produção tão fraca e tão sem espírito.
No final, “Monstro: A História de Ed Gein”, é apenas ficção ruim. E se como história inventada não presta, como true crime é simplesmente uma catástrofe.