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Sombras da escravidão em terror brasileiro

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São Paulo – Que o gênero horror teen é muito bem-sucedido, todos sabem. Adolescentes gostam de sentir medo. Normal, portanto, que o cinema brasileiro passe a dele se ocupar, como é o caso deste O Diabo Mora Aqui, de Dante Vescio e Rodrigo Gasparini.

A produção gaba-se do caráter amadorístico do longa: teria custado meros R$ 250 mil e ignorado as leis de incentivo na captação de recursos. Isso não seria importante, se não fosse alardeado. Mas é. Apresenta-se, por esse despojamento financeiro, como filme feito “na garra” e com paixão pelo ofício, o que é a essência do espírito amador.

No entanto, tal precariedade não se vê na parte técnica. Ao contrário. Percebe-se, já nas primeiras cenas, a qualidade da fotografia, de Kauê Zilli. Tem intensidade nas sequências em que capta formigas e abelhas e expõe a concepção tirânica do vilão de que “rainhas devem ser domesticadas”. Trata-se de um bom início.

O longa (80 minutos) tem também o mérito de mergulhar na tradição brasileira. No caso, a pior tradição, a maior mancha histórica do País, a escravidão, que lança suas sombras até hoje. O enredo relembra um terrível senhor de terras do século 19, um tal de Barão do Mel (Ivo Müller), que se divertia torturando seus escravos.

É nessa fazenda, agora no tempo atual, que os adolescentes se dispõem a passar um fim de semana legal. A propriedade agora pertence à família de um deles. Convida um casal de amigos e uma garota para um embalo. O menino conhece a história terrível que envolve a propriedade, pois foi criado ouvindo-a dos empregados. O tal Barão foi amaldiçoado pela escrava com a qual teve um filho. A escrava, para produzir o feitiço, teve de fazer o sacrifício do próprio bebê, cravando-lhe um prego no umbigo.

Os jovens Jorge (Diego Goulart), Apolo (Pedro Carvalho), Alexandra (Mariana Cortines) e Magu (Clara Verdier) fazem chacota com a tal história e não acreditam em nada, até que… Bem, é sempre assim quando os filmes mexem com temas do sobrenatural. O início naturalista, a dúvida inicial diante de alguns fenômenos, incredulidade que cobra seu preço à medida que começam a aparecer os fantasmas e espectros que moram na sombra.

No roteiro é que as coisas começam a pegar mal. Apesar do bom ponto de partida não encontra um desenvolvimento capaz de manter a atenção o tempo todo. Faltam ideias para sustentar mesmo um filme de corte sintético como este. Em razão do déficit da história rala, há que se preencher tempo com sustos, sangue e cenas cruéis em profusão. Não se está aqui no campo do terror psicológico, mas do horror explícito, ainda que matizado por uma ou outra boa ideia. Como, por exemplo, a garota que toma seus “remedinhos” contra algum distúrbio psicológico, mas mesmo assim continua a ouvir vozes, o que a faz duvidar da própria sanidade. Também se nota um desnível de elenco, contrastando os profissionais Ivo Müller e Sidney Santiago com a juventude dos demais. Há uma estrada a ser feita aí.

Em especial em termos daquilo que se chama de fatura cinematográfica, o bem fazer, que não se confunde com o esteticismo. Não se trata do “bonitinho” (José Mojica Marins não fazia filmes bonitinhos), mas o que alcança massa crítica para atingir o espectador em suas fobias e zonas de pânico.

De qualquer forma, ainda que às vezes toscamente realizado, sobra a O Diabo Mora Aqui essa boa intuição inicial, a de colocar a escravidão como horizonte de horror que paira sobre a sociedade brasileira. Esse é um espectro que não quer morrer.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.