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Trinta mostra Joãosinho antes de virar mito carnavalesco

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São Paulo – Paulo Machline sempre foi apaixonado por carnaval. Admirava o trabalho do carnavalesco Joãosinho Trinta, mas, como diz, jamais lhe passou pela cabeça que seria um personagem capaz de arrebatá-lo. Até que, em 2002, ele leu um texto de Carlos Heitor Cony sobre o Joãosinho que não conhecia, o pré-carnavalesco. Epa! Algo se passou, e Machline foi atrás do próprio Joaosinho. Durante meses, realizou sucessivas entrevistas com ele. Já pensava num filme, e no ator que faria o papel. “Pela estatura”, admite, pensou logo em Matheus Nachtergaele.

Os dois eram baixinhos, e não importava que Matheus fosse de ascendência belga e Joãosinho, mouro e índio. Matheus tinha a outra estatura – artística – para entender e criar o Joãosinho que, agora sim, começava a arrebatar Paulo Machline. Outras vezes, em 2006 e 2008, o diretor esteve perto de fazer seu filme. Passaram-se mais de dez anos antes que, finalmente, Trinta viesse a público. Lançado no Festival do Rio, o filme teve uma memorável sessão no Teatro Municipal, que foi o berço do artista Joãosinho Trinta. A estreia ocorre em 70 salas da Região Sul/Sudeste e, depois, se amplia para o Norte/Nordeste. No total, 120 a 140 salas estarão exibindo Trinta em todo o Brasil, nas próximas semanas.

É hoje! O primeiro roteiro, que Machline encomendou a Cláudio Galperin, era um épico. Teria de ser um filme muito grande. Mas Machline sentia que algo não iria funcionar, e não era pelos imensos recursos que o projeto exigiria. Dos seus contatos e múltiplas conversas com Joãosinho, da sua convivência com ele em barracões de escola de samba, Machline sabia quanto Joãosinho era tímido e solitário. “Era alguém que tinha dificuldade para se comunicar, para dar ordens. A cena do piti, no filme, é real. Vi o Joãosinho se descontrolar e reagir daquele jeito.”

O medo íntimo de Paulo Machline era se perder naquela história tão grande, de perder seu personagem. “Percebi que precisava selecionar o meu recorte. Li e reli o roteiro do Galperin e descobri que o que queria contar estava entre as páginas 65 e 90. Não me interessava o mito, mas o homem. Se Joãosinho fosse um super-herói, meu recorte seria aquele momento sobrenatural em que o herói descobre seus superpoderes.” E que momento é esse na vida de Joãosinho? “É o trauma. O garoto veio de São Luiz, enfrentando todo tipo de preconceito, para tentar ser bailarino no Teatro Municipal. Mas o sonho se revela uma frustração. Joãosinho não tem, nunca terá, estatura para se destacar no corpo de baile do teatro. O clique que vai mudar sua vida é a transformação em carnavalesco.”

Em sua curta filmografia, Machline alinha um curta, História de Futebol, que o levou a concorrer ao Oscar da categoria, e um longa polêmico, no sentido de que não é uma unanimidade, mas muito interessante – Natimorto, que adaptou do romance de Lourenço Mutarelli. O Joãosinho de Trinta sintetiza o artista brasileiro para Machline. “Ele não teve educação formal. Foi um autoditadata que adquiriu cultura como rato de biblioteca e que levou sua base erudita para o mundo da cultura popular, por meio do carnaval.” Tal é o recorte do filme, que recria esse momento particular, no começo dos anos 1970, quando Joãosinho, para (re)nascer como artista, após a frustração do balé, aceita substituir seu cunhado e mestre, Pamplona, no barracão da beija-flor.

Para todo o mundo, ele não vai conseguir dar conta do recado. É ‘frutinha’, não sabe se impor. Para complicar, seu enredo é complicado, misturando a alta cultura europeia – a história da França – com os mitos do folclore do Maranhão, onde nasceu. “Joãosinho era mitômano. Gostava de contar o próprio nascimento, como a mãe viúva engravidou ao se divertir no carnaval, e como isso, a determinação da gênese, já direcionava seu futuro.” Acuado no barracão, Joãosinho explode – e durante três ou quatro minutos tensos, perante uma plateia de ficção atônita, Matheus desfia todos os palavrões da língua portuguesa.

Dá certo, e com a mediação da irmã, o próprio Pamplona vem em seu socorro. Abrem-se as portas da magia e a comunidade visualiza o carnaval, segundo Joãosinho Trinta. O restante é um documentário, a título de encerramento, que sintetiza a história de Joãosinho e dá conta daquele primeiro desfile vitorioso. Machline explica as imagens de arquivo. “Os desfiles, naquela época, eram mais pobres, mesmo que eu tenha de colocar a expressão entre aspas. Não queria empobrecer mais ainda, já que não tinha recursos para recriar o desfile da avenida. Mas eu tinha de mostrar. Sem isso, o arco não estaria completo.” Machline sempre pensou no seu Joãosinho como coisa de cinema. Isabel Valença, a musa da escolas, podia ter carisma, mas não era bela como Mariana Nunes, que faz o papel. Ele queria a beleza de Mariana, como queria o talento de Matheus Nachtergaele. Teve sorte, duplamente. Mariana revela-se uma atriz esplendorosa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.