Durante o Chocolat Festival Bahia, visitei fazendas cacaueiras de Ilhéus (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Durante o Chocolat Festival Bahia, visitei fazendas cacaueiras de Ilhéus (Foto: Wellinson Tibúrcio)

Turismo

Tudo que aprendi sobre cacau com o maior festival de chocolate da América Latina

O Folha Vitória foi até Ilhéus a convite do Chocolat Festival Bahia para conhecer de perto os sabores e histórias da terra do chocolate

Leitura: 9 Minutos

Pensou em Ilhéus, pensou em praia, Jorge Amado e chocolate (mesmo que não seja nesta ordem). A cidade no sul da Bahia já foi o segundo maior produtor de cacau do mundo e esconde o tesouro do chocolate perfeito — pode pôr o adjetivo na minha conta. Mas, correndo o risco de me deixar levar pela água do Rio do Engenho, é difícil dizer que alguém já comeu chocolate de verdade até provar o primeiro pedaço produzido na Princesinha do Sul.

O Folha Vitória foi convidado pelo maior festival internacional de cacau e chocolate da América Latina, o Chocolat Festival, para prestigiar a 44ª edição, realizada em Ilhéus, entre os dias 17 a 20 de julho. O evento recebeu mais de 90 mil visitantes, mais de 260 expositores de chocolate da Bahia e do restante do Brasil e mais de 500 marcas de chocolate e outros produtos.

Chocolate roxo com cupuaçu é o diferencial da loja Mimos da Mata (Foto: Maeli Radis/Folha Vitória)

Além do festival, eu e mais sete jornalistas do Brasil inteiro visitamos a Fazenda Yrerê, a fábrica Mendoá Chocolates e a Fazenda Vila Rosa, em Itacaré. As três fazem parte da Costa do Cacau, que inclui os municípios de Ilhéus, Uruçuca e Itacaré. Em cada um desses locais, funcionários ou os próprios donos explicavam o cultivo do cacau, destacando os motivos pelos quais a prática é sustentável e possui importância social.

Entre visitas a estandes, fazendas e fábricas da região (e degustações de mais tipos de chocolate do que imaginava que existissem) posso dizer que voltei ao Espírito Santo sabendo tudo sobre o fruto que está por toda parte na cidade: em praças, decorações, na culinária e até no vestuário. Por isso, vou te contar tudo que aprendi nesses quatro dias em Ilhéus.

Se você cuida da floresta, ela devolve

A fruta chegou em terras ilheenses há mais de 200 anos e, desde então, eles a cultivam da mesma maneira: na cabruca. Essa forma de plantio usa a Mata Atlântica como aliada.

Os fazendeiros explicam que o cacau precisa de sol, mas também de chuva. Plantar em meio à floresta faz com que as árvores protejam o pé de cacau tanto do calor extremo quanto das chuvas intensas. Equilíbrio é o que faz um dos melhores chocolates do mundo ser como é.

Uma coisa é fazer chocolate industrial, outra é fazer o que fazemos aqui. Estamos falando de sustentabilidade: manter a Mata Atlântica em pé, preservar o meio ambiente, gerar emprego e dar dignidade aos trabalhadores. É melhor fazer chocolate aqui do que numa rua fria da Suíça. Aquele chocolate é sujo, tem sangue — o sangue de crianças escravizadas na África. Não é só ganhar dinheiro, é preciso responsabilidade com o mundo em que vivemos

Gerson Marques, proprietário da Fazenda Yrerê
Gerson Marques, da Fazenda Yrerê (Foto: Wellinson Tibúrcio)

Sonho destruído pela bruxa

A Bahia ainda integra o top 5 dos maiores produtores de cacau do mundo e segue como o maior do Brasil. Mas houve um tempo em que os coronéis rasgavam dinheiro vindo de suas fazendas. No início dos anos 1990, a produção brasileira encolheu quase 80% por causa da vassoura-de-bruxa.

A praga chegou em 1989, e até hoje não se sabe ao certo como alcançou o território baiano — embora entre os nativos existam teorias sobre ações criminosas. A vassoura-de-bruxa pode afetar o cacaueiro desde a muda até a planta adulta.

Quando infecta a árvore, provoca um inchaço no galho, que se ramifica rapidamente, formando pequenos brotos. Quando secam, esses brotos lembram uma vassoura.

Aparência do galho afetado pela vassoura-de-bruxa (Foto: Wellinson Tibúrcio)

Eu perguntei e não há muito o que possa ser feito para conter o contágio. Os produtores tentam podar e queimar os frutos e galhos contaminados, mas a perda na produção é expressiva: a vassoura-de-bruxa consome de 70% a 80% do cacau.

Estrada do Chocolate: onde o passado e o sabor se encontram

Se em Oz a Estrada de Tijolos Amarelo leva à Cidade Esmeralda e ao Mágico, a Estrada do Chocolate liga Ilhéus a Uruçuca em um trajeto de 43 km repleto de história, natureza e, claro, muito sabor.

Fazenda Vila Rosa, em Itacaré (Foto: Maeli Radis/Folha Vitória)

A rota abriga fazendas centenárias, assentamentos da agricultura familiar e empreendimentos turísticos que revelam o passado da região: quando os coronéis do cacau ditavam o ritmo da economia local.

Muitas dessas propriedades estão abertas à visitação e oferecem uma imersão na cultura cacaueira, unindo paisagem, memória e o prazer de provar chocolates produzidos ali mesmo, da árvore à barra (tree-to-bar).

Uma Bahia de Alma Inteira

Mas Ilhéus vai muito além do chocolate. Depois de tudo que vi e vivi, me considero apta a abrir uma fazenda de cacau, mas também descobri que existia um túnel ligando o Vesúvio ao Bataclan — por onde os coronéis passavam para aproveitar a noite no cabaré, a cerca de 200 metros da igreja, enquanto suas esposas rezavam pela família, acreditando que os maridos estavam no bar.

Bataclan (Foto: Wellinson Tibúrcio)

O local, retratado por Jorge Amado em “Gabriela, Cravo e Canela”, abrigava reuniões entre coronéis e compradores, enquanto Maria Machadão oferecia suas quengas para distrai-los dos acordos (e recebia uma porcentagem por isso).

Hoje, o Bataclan funciona como restaurante e café, mas ainda guarda resquícios da época, como o quarto da cafetina e objetos originais dos tempos de ouro do cabaré mais famoso da literatura.

Quarto de Maria Machadão (Foto: Maeli Radis/Folha Vitória)

Há muito o que ver, sentir, experimentar e viver na cidade do Sul da Bahia que, mesmo com um aeroporto de apenas três portões e um único caminho entre o avião e o desembarque, parece ter espaço para acolher o mundo inteiro.

Veja mais fotos da viagem
Rio do Engenho (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Fazenda Vila Rosa (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Fábrica Mendoá (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Fábrica Mendoá (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Amêndoa do cacau (Foto: Maeli Radis/Folha Vitória)
Memorial Maria Machadão (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Ponte do Pontal (Foto: Wellinson Tibúrcio)
Chocolate Dengo (Foto: Maeli Radis/Folha Vitória)
Rio do Engenho (Foto: Maeli Radis/Folha Vitória)

*A viagem a Ilhéus foi realizada a convite do Chocolat Festival Bahia.

Maeli Rhayra, editora de entretenimento do Folha Vitória
Maeli Radis

Editora de Entretenimento e Cultura

Editora de Entretenimento e Cultura do Folha Vitória. Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Editora de Entretenimento e Cultura do Folha Vitória. Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).