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Versão para cinema de 'Incêndios' concorreu ao Oscar

Versão para cinema de ‘Incêndios’ concorreu ao Oscar Versão para cinema de ‘Incêndios’ concorreu ao Oscar Versão para cinema de ‘Incêndios’ concorreu ao Oscar Versão para cinema de ‘Incêndios’ concorreu ao Oscar

São Paulo – Há um determinismo do acaso no cinema do canadense Denis Villeneuve. É o diretor que adaptou Incêndios para o cinema. Nada mais aparentemente contraditório do que ‘determinismo’ e ‘acaso’. Mas a verdade é que as coisas mais díspares vão ocorrendo nos filmes dele. Os personagens envolvem-se em situações geradas pelo acaso e aí você vê que existem coincidências nesses acasos que propiciam o determinismo. As coisas teriam de ocorrer.

É um diretor – um autor – obcecado pela ideia de que as aparências enganam, que as coisas e pessoas nunca são exatamente como pensamos. A garota de Redemoinho parece fútil, e talvez seja, mas rapidamente, em questão de dias, tem de decidir se faz um aborto, atropela (e mata) um homem e conhece outro que a leva a repensar sua vida. Os irmãos de Incêndios – um casal – descobrem que a mãe, ao morrer, lhes deixou duas cartas para serem entregues ao pai e ao irmão. Eles foram criados para acreditar que o pai estava morto e nunca souberam das existência desse irmão.

Reagem diferentemente à missão – entregar as cartas. A filha quer cumprir o desejo materno. O filho reluta, teme as consequências que isso poderá acarretar para a irmã e ele. Segue-se uma narrativa em dois tempos. O espectador segue os irmãos no presente e, no passado, descobre quem foi essa mãe e o que fez. O filme foi indicado para o Oscar de melhor produção estrangeira, em língua não inglesa. Representava o Canadá. Como Fernanda Montenegro em Central Station/Central do Brasil, de Walter Salles, Lubna Azabal, que faz o papel, também poderia ter indicada para a estatueta de melhor atriz. Cria uma personagem apaixonada, cheia de nuances. O filme tem um texto forte – adaptado da peça de Wajdi Mouawad -, mas é provável que o espectador que já viu Incêndios na tela descubra outro Incêndios no palco. Não são só as diferenças de tom e mídia. Villeneuve aposta em soluções melodramáticas e folhetinescas para o desfecho do filme.

Talvez tenha sido esse final – de ação? – que lhe tenha aberto as portas de Hollywood. Villeneuve fez, na sequência, Prisoners/Os Suspeitos e O Homem Duplicado, que adaptou do livro de José Saramago. Os Suspeitos mostra Jake Gyllenhaal como policial que tenta localizar duas garotas que foram sequestradas. Hugh Jackman é o pai que, considerando a polícia inoperante, resolve fazer uma caçada por conta própria. Ele libera um lado sombrio de sua personalidade, transgride a lei, faz coisas terríveis. É como se fosse outro homem (um monstro?). Em O Homem Duplicado, Gyllenhaal (de novo) descobre que tem um duplo. Fica obcecado por ele e se envolve em situações rocambolescas que também envolvem vida e morte.

Redemoinho possui uma estética que pode evocar a publicidade. Tudo muito moderno, clean. O Homem Duplicado retoma essa estética e cria um mundo meio desumanizado. Incêndios é de outra natureza. Em busca dessa mãe que lhes escapa, o casal de gêmeos vai para o Oriente Médio, um lugar explosivo.

Ocorrem alguns incêndios, mas o do título refere-se à destruição e redescoberta da mãe. Não é uma jornada de redenção, mas uma viagem que, como teme o filho, leva a descobertas muito duras. Os Suspeitos contrapõe à casa de classe média, que poderia ser clean, a casa em ruínas que abriga a tortura. O próprio Villeneuve, embora talentoso, sugere um homem duplicado, um autor meio esquizofrênico que se divide seguindo as histórias que conta. Um estilista sem estilo, ou à procura de um, como seus personagens em busca de identidade, num jogo de máscaras.