Foto: Canva
Foto: Canva

*Artigo escrito por André Arnal Perezin, advogado que atua há 20 anos com Direito Empresarial e Recuperações Judiciais, com especialização na área. Mestrando em Direito dos Negócios pela FGV-SP e conselheiro estadual da OAB-ES.

Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro passou a registrar um crescimento expressivo dos pedidos de recuperação judicial, envolvendo não apenas produtores rurais, mas também grandes cooperativas agrícolas.

Esse crescimento revela que os ciclos de preços, os custos de produção dolarizados, os juros altos e o crédito escasso tornaram o agronegócio mais vulnerável, embora ele continue sendo um dos “motores” da economia brasileira.

Em 2025, até o segundo trimestre, já foram protocolados 954 pedidos de recuperação judicial, sendo 389 no primeiro trimestre e 565 no segundo, o que equivale a 75% de todo o volume de 2024 em apenas seis meses, segundo o indicador Serasa Experian, que aponta, nos anos anteriores, 534 pedidos em 2023 e 1.272 em 2024 (aumento de 138%).

Grande parte desse crescimento decorre dos produtores rurais pessoas físicas, que passaram de 127 pedidos em 2023 para 566 em 2024. Em 2025, dos 954 pedidos, 415 foram protocolados por produtores rurais pessoas físicas, dos quais 195 no primeiro trimestre e 220 no segundo.

Os dados mostram que fatores econômicos, como endividamento crescente, investimentos em tecnologia, aumento de área cultivada, custo de insumos dolarizado, juros elevados e restrição ao crédito, somados a fatores jurídicos, como a consolidação jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça permitindo o acesso do produtor rural pessoa física à recuperação judicial, foram os grandes impulsionadores dessa escalada.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.145, reconheceu a possibilidade de o produtor rural requerer recuperação judicial, desde que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos e esteja inscrito na Junta Comercial no momento do pedido, independentemente do tempo de seu registro.

No julgamento, o STJ entendeu que a recuperação judicial é instrumento de superação da crise econômico-financeira da atividade empresarial, como “… artefato viabilizador do desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental, na medida em que promove a continuidade da atividade econômica da empresa com potencial de realização”.

A jurisprudência buscou valorizar a preservação da ordem econômica ao permitir o acesso à recuperação judicial mesmo ao produtor rural pessoa física que não tivesse, há dois anos, inscrição de empresário registrada na Junta Comercial, o que beneficiou aqueles produtores mais fragilizados sem posse formal da terra (arrendatários etc.).

Outro ponto importante à reestruturação do agronegócio diz respeito às operações de financiamentos contratadas pelos produtores rurais junto as cooperativas de crédito, que, na qualidade de negócio jurídico celebrado com associado, são consideradas atos cooperativos que não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, permanecendo integralmente exigíveis.

Como grande parte do financiamento agrícola é realizada por cooperativas de crédito, essa exclusão limita a efetividade da reestruturação dos produtores rurais, pois as cooperativas de crédito acabam menos flexíveis e mantêm negociação dura nas repactuações.

O desafio atual passa por aperfeiçoar a Lei nº 11.101/2005 às especificidades do campo, para permitir pelo menos aos pequenos e médios produtores rurais, que tanto as suas dívidas frente às cooperativas de créditos sejam concursais quanto que seus créditos tenham preferência na ordem de recebimento nas recuperações judiciais das quais são credores, assim como ocorre com os créditos trabalhistas e fiscais.

A expansão das recuperações judiciais no agronegócio não significa, todavia, deficiência do setor, mas revela a necessidade de acesso à recuperação judicial como ferramenta de reestruturação dos pequenos e médios negócios rurais que representam milhares de famílias que vivem exclusivamente do campo e tanto precisam da preservação das suas atividades.

Aos produtores rurais cabe o dever de casa de avançarem em sua organização interna, contábil e societária, não apenas para impulsionar o seu crescimento, mas também para se prepararem para as novas regras da Reforma Tributária, cujo regime de IBS e CBS começará a vigorar gradualmente a partir de 2026.

A tributação baseada no destino exigirá do produtor maior formalização das operações, padronização documental e segregação de atividades.

Para aqueles pequenos e médios produtores rurais que ainda não o fizeram, um bom começo é já se inscreverem na Junta Comercial, ainda que tenham iniciado suas atividades empresariais recentes, ou mesmo que, exercendo-as há muitos anos, não a tenham feito.

Esse conjunto de medidas tornará os produtores rurais mais eficientes, competitivos e assegurará acesso à recuperação judicial caso eles venham no futuro utilizá-la como medida de reestruturação econômica das suas atividades.

André Arnal Perezin advogado
André Arnal Perezin é advogado. Foto: Acervo Pessoal