Banco Master: Lições para instituições bancárias e  investidores. Foto: Divulgação/Banco Master
Banco Master: Lições para instituições bancárias e investidores. Foto: Divulgação/Banco Master

Artigo escrito por Érico Colodeti Filho, especialista em investimentos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Especialista em criptomoedas pela Associação Nacional das Corretoras Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord). Professor universitário e apresentador do “Me Tira do Perrengue“.

O colapso do Banco Master, consumado nesta terça (18), não é apenas mais um capítulo turbulento do sistema financeiro brasileiro. É um espelho incômodo das fragilidades que ainda insistem em atravessar a nossa praça bancária.

A liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central acendeu um alerta estridente que vai muito além dos clientes do banco e dos investidores que se viram, de repente, reféns da espera pelo ressarcimento.

Do mesmo modo, o episódio expõe com nitidez como crescimento acelerado, governança frouxa bem como dependência de funding caro formam uma mistura potencialmente explosiva. E como os sinais de alerta, quando ignorados, se convertem em crise aberta.

O Banco Master se notabilizou nos últimos anos por CDBs com remunerações sistematicamente acima da média de mercado. Isso não é um pecado por si só. Ou seja, precificar risco faz parte da lógica financeira. O problema é quando o prêmio pago vira muleta permanente para captar volumes gigantescos e financiar uma expansão pouco ancorada em disciplina de risco.

Segundo reportagem da Agência DC News, o banco somava entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em depósitos no momento da liquidação. Nesse sentido as cifras, se confirmadas, colocam o caso como o maior resgate da história do Fundo Garantidor de Créditos, superando episódios traumáticos do passado recente. Do mesmo modo, para depositantes elegíveis, o FGC é uma rede de proteção vital. Para o sistema, é um teste de estresse operacional e de confiança.

Cronologia do Banco Master

Há uma cronologia de sinais que o mercado não deveria ter tratado como ruído. Em outubro, o INSS decidiu não renovar a autorização para o banco conceder crédito consignado a aposentados e pensionistas. Nesse sentido, citou um volume expressivo de reclamações e indícios de práticas inadequadas. Em qualquer manual de gestão de risco de conduta, uma medida desse porte não é rodapé; é manchete. Ao mesmo tempo, negociações ventiladas no mercado, como a potencial compra pelo BRB ou por outra holding financeira, não se materializaram.

Quando operações de M&A em situações de estresse empacam, quase sempre é porque a diligência encontrou passivos difíceis de precificar ou lacunas de governança que não se resolvem com comunicados otimistas.

As lições para o mercado são diretas e, ao mesmo tempo, desconfortáveis. A primeira é sobre a dependência de funding sensível ao humor do investidor. Bancos que constroem o balanço apoiados em depósitos de varejo atraídos por taxas muito acima do mercado precisam demonstrar, de forma contínua e transparente, que o retorno adicional não está compensando uma fragilidade estrutural.

O “desconto de confiança” que o investidor exige, quando vira permanente, costuma sinalizar que o risco subjacente não está sendo endereçado. Se, além disso, houver concentração de captação em poucos produtos, com prazos curtos e clientela pouco sofisticada, o risco de corrida aumenta e o custo de rolagem explode nos primeiros boatos.

A segunda lição é sobre governança e cultura de risco. Reclamações em massa, alertas de reguladores setoriais e medidas restritivas não podem ser tratadas como “sazonalidade”. Elas exigem um comitê independente, autonomia real para compliance, auditoria interna com voz e consequências.

Cultura não se conserta com comunicado. Se conserta com incentivos, métricas e decisões impopulares no curto prazo. E, quando há dúvidas sobre conduta comercial, o mercado deveria penalizar o emissor na veia. Nesse sentido, encarecendo funding e reduzindo limites de contraparte. Do mesmo modo até que a casa esteja em ordem, em vez de esperar que o supervisor faça o trabalho sozinho.

Roteiros práticos

A terceira lição está na gestão de liquidez sob estresse. Planos de contingência não podem ser roteiros genéricos guardados em gavetas. Eles precisam prever fontes alternativas de funding, colaterais de alta qualidade prontos para linhas de redesconto onde couber, acordos contingentes com correspondentes e, sobretudo, uma estratégia de comunicação que não subestime o investidor.

Transparência, nesses momentos, vale tanto quanto caixa. Admitir vulnerabilidades específicas e apresentar metas verificáveis de correção costuma segurar melhor a confiança do que promessas vagas. A liquidez foge primeiro de quem hesita em contar a verdade.

A quarta lição é para o ecossistema que orbita ao redor dos bancos. Fintechs, plataformas de investimento, correspondentes bem como agentes autônomos. Apetite comercial não pode ultrapassar a responsabilidade fiduciária. Quando um produto paga muito acima do peer group por tempo demais, o distribuidor deve reforçar suitability, explicar limites de garantia do FGC e documentar a compreensão do cliente. Em crises como a desta terça, a ponta de distribuição é a primeira a ser cobrada. E é também quem consegue, com informação clara e tempestiva, evitar pânico desnecessário e decisões ruins.

Há, ainda, uma lição macro sobre contágio. O caso do Banco Master tende a reprecificar risco em outros nichos. Bancos médios dependentes de consignado, carteiras com sinais de deterioração em originação terceirizada, estruturas de funding com prazo curto bem como pouca diversificação. Spreads podem abrir, linhas interbancárias ficar mais seletivas, e prazos de captação encurtarem. Um choque de confiança, mesmo circunscrito, costuma gerar conservação defensiva de caixa em toda a cadeia.

O papel do supervisor, aqui, é crucial. Comunicar-se rápido, mostrar a capacidade de execução do FGC, mapear exposições cruzadas bem como, se necessário, calibrar medidas microprudenciais para evitar que um susto vire febre sistêmica.

Lições para o investidor

Do lado do investidor pessoa física, a lição é antiga e teimosa. Ou seja, foco em diversificação e respeito aos limites do FGC. Concentrar mais de R$ 250 mil por CPF por instituição em depósitos elegíveis aumenta o risco de indisponibilidade temporária de recursos na crise e de perda acima do teto da garantia. Também ajuda acompanhar sinais antecedentes. São eles custo de captação persistentemente alto, estouros em rankings de reclamações, mudanças bruscas na diretoria, medidas regulatórias punitivas bem como boatos recorrentes em canais especializados. Nada disso, isoladamente, “prevê” um evento. Porém em conjunto, esses sinais pedem freio de arrumação.

Para os executivos de risco e CFOs, o recado é igualmente objetivo. Crescer com margem fácil em ciclos benignos é sedutor, no entanto a prova de solidez aparece quando o ciclo vira. Mix de funding diversificado, buffers de liquidez generosos, governança que dá poder real ao “não” e uma função de riscos que conversa de igual para igual com a área comercial são elementos que não aparecem em anúncio. No entanto salvam instituições em semanas como esta. E, se o modelo de negócios depende de produtos sensíveis a reputação, a política de conduta precisa ser tratada como pilar estratégico, não como custo.

O episódio desta terça também convida o país a discutir a pedagogia das crises. Sempre que um banco cai, há uma corrida por culpados. É compreensível. Porém a melhor resposta sistêmica é transformar o caso em material didático. Publicar diagnósticos objetivos, documentar a linha do tempo de alertas e medidas, padronizar indicadores de “amber lights” que distribuidores e plataformas possam exibir aos clientes, bem como incentivar a adoção de “testamentos bancários” proporcionais para instituições de médio porte. Quando a indústria inteira aprende, a conta coletiva das crises diminui.

Érico Colodeti Filho é especialista em investimentos, professor universitário e apresentador do Me Tira do Perrengue. Foto: Divulgação

Por fim, é impossível ignorar o lado humano. Há funcionários que nesta terça voltaram para casa sem saber o destino do seu trabalho. Há clientes preocupados com a faculdade dos filhos e com a folha de pagamento.

Um sistema financeiro digno desse nome não mede sucesso apenas por spreads e ROE. Mede pelo quanto consegue proteger pessoas quando o pior acontece. Que esta liquidação, dura e ruidosa, funcione como ponto de inflexão para práticas mais responsáveis, comunicação mais honesta e uma cultura de risco que honre a confiança do público.

Artigo escrito por Érico Colodeti Filho, especialista em investimentos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Especialista em criptomoedas pela Associação Nacional das Corretoras Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord). Professor universitário e apresentador do “Me Tira do Perrengue“.

Redação Folha Vitória

Equipe de Jornalismo

Redação Folha Vitória é a assinatura coletiva que representa a equipe de jornalistas, editores e profissionais responsáveis pela produção diária de conteúdo do Folha Vitória. Comprometida com a excelência jornalística, a equipe atua de forma integrada para garantir informações precisas, atualizadas e relevantes, sempre alinhada à missão de informar com ética, democratizar o acesso à informação e fortalecer o diálogo com a comunidade capixaba. O trabalho do grupo reflete o padrão de qualidade da Rede Vitória de Comunicação, consolidando o veículo como referência em jornalismo digital no Espírito Santo.

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