É de comer?

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Quando composto apenas de amido, o plástico pode ser comestível. — Foto: Divulgação / Oka Embalagens.

No Brasil, a produção é majoritariamente com origem da fécula da mandioca, explica Vieira. A principal motivação é a economia.

“Uma fécula de mandioca grosseira dá para comprar a R$ 0,30 o kg. O polietileno, que é um dos plásticos mais baratos, custa de R$ 3 a R$ 5. Tem muita gente que explora (o amido) porque é muito barato. Então é competitivo”, explica.

O amido, quando não transformado em PLA, é de rápida decomposição, isso porque ele é “amigo da água”, define Bianca, em outras palavras, ele dissolve facilmente.

Por causa disso, o plástico que é composto apenas do amido pode ser, inclusive, comestível. Já pensou em experimentar um sorvete em um buffet, por exemplo, e em seguida, no lugar de jogar a colherzinha no lixo, comê-la? Com esta categoria de bioplástico, isso é possível.

Contudo, Vieira explica ser preciso tomar cuidado com o grau de limpeza do material, que deve ser totalmente livre de contaminação biológica, para poder ser ingerido com segurança.

Mas, se é comestível, como pode ser um plástico? Segundo Vieira, plástico é tudo aquilo que consegue ser moldado com aquecimento, ou seja, a termoformagem.

O processo é o seguinte: você pega a fécula da mandioca, coloca na extrusora – o equipamento tradicional para dar forma ao plástico – com a temperatura e pressão necessárias e ela ganha a forma programada.

Máquina extrusora produzindo plástico a base de amido de mandioca em laboratório da USP Ribeirão Preto. — Foto: Arquivo Pessoal.

Contudo, existem outros plásticos feitos do amido de mandioca que não são comestíveis. Eles precisam de aditivos, explica Vieira.

Esses aditivos podem ser fibras vegetais, como o eucalipto e o bagaço da cana-de-açúcar ou até mesmo o próprio petróleo. O objetivo principal deles é sanar a deficiência de firmeza e resistência que geralmente há nos plásticos feitos inteiramente de amido.

É o caso também dos termoplásticos, que podem ser aditivados com glicerina, por exemplo. Nestes casos, o objetivo é tornar o material mais firme e permitir que obtenha qualquer forma quando moldado.

Bioembalagem como negócio

Para além do laboratório, o bioplástico já é usado hoje nas chamadas bioembalagens. Uma das empresas que lidam com esta categoria de material é a Oka, fundada em Botucatu, no estado de São Paulo, há 7 anos e desenvolve produtos comestíveis.

As embalagens, como copos, potes e talheres, são feitas de uma mistura de farinha de mandioca-brava com água que passa pela termo moldagem, explica Olívia Yassudo, estrategista de negócio da empresa.

Ela conta que, para cada copo de fécula de mandioca, são usados 10 ml de água, enquanto na produção de plástico são usados 3 litros.

O produto vem de parcerias com fecularias e seu resultado pode se decompor em no máximo 30 dias – o número pode cair para 3 horas se for colocado sob a água.

A Oka Embalagens tem como público alvo redes de médio porte, mas também costumam atender pequenos empreendedores, como o quiosque Noronha Fit, em Fernando de Noronha, tal qual multinacionais e grandes eventos, como as Olimpíadas de 2016.

 

Oka Embalagens também é fornecedora de caixas para ovos, feitas a partir da fécula da mandioca e água. — Foto: Divulgação – Oka Embalagens.

Olívia conta que existe um problema de tecnologia no Brasil para conseguir produzir em escala industrial, sendo necessário desenvolver maquinários próprios para atender uma demanda maior.

Esse problema foi resolvido com outra parceria, que desenvolve maquinas mais especializados para o produto.

Além disso, ela diz ser caro desenvolver as embalagens biodegradáveis. Na comparação com uma fabricação a partir de isopor, os copos de amido são 10 vezes mais caros.

Ela afirma que isso é causado, principalmente, pela falta de subsídios para o setor.

Olívia também comenta que no Brasil há dificuldade de enquadrar inovações na abertura de um negócio:

“Quando você vai abrir uma empresa você precisa saber o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) do seu produto. Não tem um para embalagem comestível, aí eu preciso me alocar dentro de uma realidade. Coisas que são impeditivos para sermos absorvidos no mercado”, relata.

Adeus petróleo?

O bioplástico ainda tem desafios a serem superados.

O primeiro ponto é que, ainda que a matéria-prima seja renovável, o principal objetivo da agricultura continuará sendo a alimentação, o que pode tirar este mercado de foco da produção. No mundo, 4,8 bilhões de hectares são usados pela agricultura. Destes, 0,7 milhões são voltados para as matérias-primas do bioplástico, cerca de 648 mil campos de futebol, segundo o European Bioplastics.

Aumentar essa área pode levar a mais desmatamento, para ter mais espaço para plantar com este fim, analisa a pesquisadora da USP-RB, Bianca Maniglia.

Existe também o problema de eles não serem tão firmes e resistentes quanto o plástico tradicional, portanto, a vantagem de se biodegradarem rapidamente pode ser também um problema quando se imagina a estocagem de alimentos.

“São produtos que não ficam ali na prateleira, porque o tempo de vida do plástico biodegradável pode ser menor que a do arroz que fica lá. Pode cair uma gota de água e ele se dissolver ou algum micro-organismo começar a se alimentar ali. Então, (o bioplástico) é mais usado em sacolinhas, embalagem secundárias e no fastfood, que são de rápido consumo”, explica Bianca.

Já os de maior durabilidade, como os aditivados, não são muito recomendados para a reciclagem. Segundo o professor da USFCar, Vieira, reciclar é possível, mas o plástico perde qualidade, ficando mais craquelado do que o plástico comum.

A rápida degradação pode ser uma desvantagem também para o ambiente, Bianca lembra uma regra básica da química: “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, de Antoine-Laurent de Lavoisier.

Deste modo, quando este material se degrada, ele se transforma em gases, como metano e gás carbônico. Assim, em um universo com uma grande massa de plástico biodegradável, haveria um excesso de gases. “Pode levar ao mesmo caso das vacas e o metano”, explica Bianca.

Para Francys Vieira, ainda é preciso pensar em soluções para os problemas do bioplástico a partir da fécula, resolver as questões técnicas dele, determinando a melhor composição, e baratear o custo da produção de outros bioplásticos, como o PLA.

Ainda assim, há espaço para as duas categorias de plástico, o bio e o tradicional, afirma a pesquisadora Bianca Maniglia. Para isso, é preciso produzi-los e usá-los conforme a necessidade e sem exagero.

“O problema é realmente a educação da população e das empresas se responsabilizarem pelo que produzem. Trabalhar mais coleta, reciclagem, descarte adequado. Tudo é questão de equilíbrio”, observa.

Ajuda pacientes com Covid

A ciência também busca novos materiais para o bioplástico.

O professor Francys Vieira, USFCar, explica que existem os usos do bagaço da laranja, sua casca e até a casca do camarão para criar plástico, desenvolvendo uma película biodegradável. Estes produtos possuem componentes que, quando extraídos, formam um pó que pode ser usado na fabricação do plástico biodegradável, com decomposição de até 6 meses.

De acordo com Vieira, estes filmes são comestíveis. Em uma pesquisa que ele está ajudando a desenvolver, essas películas são usadas como teste de sensibilidade do paladar em pacientes de Covid-19, pois o uso de determinadas frutas gera um gosto azedo na boca ao desmanchar.

Em outra pesquisa da área dos bioplásticos, na USP-RB, Bianca Maniglia usa resíduos do açafrão e do babaçu, uma palmeira que possui frutos de onde se extraí um óleo. A pesquisadora afirma que com eles é possível fazer embalagens ativas, que são aquelas que interagem com o produto, ajudando a conservá-los e podendo ser consumidas juntamente.

Porém, concluiu-se que ele ainda não consegue competir com o plástico do mercado, por isso ela mistura o plástico convencional com 30% do resíduo. Na prática, isso permite que pelo menos 30% do plástico se decomponha mais rapidamente.

 

A pesquisadora da USP, Bianca, desenvolve bioplásticos a partir de resíduos do açafrão e do babaçu. — Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisadora afirma que a agroindústria tem resíduos que são tesouros e que “o lixo da agroindústria, conserva o alimento, dá vida de prateleira maior, pode ser usado não só para manter o alimento, mas para ser consumido junto na alimentação”.

Fonte: reportagem de Viviam Souza, G1

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