
A economia criativa se tornou uma das forças mais dinâmicas do mercado de trabalho, no Brasil, e vem assumindo papel estratégico no desenvolvimento de estados como o Espírito Santo. No País, o setor representa 3,59% do PIB e emprega 7,4 milhões de trabalhadores formais, segundo o Observatório Nacional da Indústria. A projeção é que um milhão de novas vagas sejam geradas até 2030.
Mas, se os números nacionais já chamam atenção, a realidade capixaba também revela uma economia pulsante. Dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) mostram que 10% dos trabalhadores do Estado atuam em áreas criativas, dado que representa mais de 200 mil pessoas.
Em 2024, o setor registrou 213 mil ocupações, com destaque para as áreas de gastronomia e tecnologia.
Além do crescimento, o rendimento médio dos trabalhadores criativos, no Espírito Santo, é de R$ 3.493,40 e supera a renda de setores não criativos, que ficou em R$ 3.255,60. A informalidade também caiu: chegou a 35,2%, em 2024, índice inferior às médias do Sudeste e do Brasil.
Um setor que transforma ideias em renda
A economia criativa engloba atividades que usam conhecimento, cultura, inovação e criatividade como principal matéria-prima. São áreas como design, moda, artes, audiovisual, livros, festivais, música, games, publicidade, arquitetura, turismo criativo e novas mídias.
Seis grandes áreas estruturam esse ecossistema: patrimônio cultural, espetáculos e celebrações, artes visuais, livros e periódicos, audiovisual e mídias interativas, além de design e serviços criativos. Isso inclui desde museus e festivais até videogames, podcasts, moda e serviços de arquitetura.
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad)
No Espírito Santo, essa diversidade aparece tanto na produção cultural tradicional quanto no avanço de setores ligados à tecnologia, inovação e cultura digital.
Desafios da profissão
Para quem está começando, o caminho nem sempre é simples. O professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Orlando Lopes Albertino, especialista em economia criativa, explica que um dos principais desafios ainda é a transição da informalidade para modelos estruturados de trabalho e acesso a políticas públicas.
Participante de projetos que discutem o papel das universidades na área, Orlando destaca que o incentivo vem crescendo. “Nos últimos anos, temos avançado, mas ainda precisamos consolidar políticas de longo prazo para que o criador consiga transformar seu talento em trabalho estável”, afirma.
Por meio de um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), ele conseguiu iniciar a construção de um espaço em Guarapari dedicado ao resgate das origens da região, um exemplo de como a criatividade, quando apoiada, pode gerar impacto cultural e econômico.
Expectativas de quem está começando
A realidade de quem busca espaço na área também aparece na trajetória de Marcus Eliud Machado, de 48 anos, estudante de Ciências da Natureza no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), área ligada à economia criativa.
Antes, ele trabalhava com tratamento de água e manutenção em usinas, mas decidiu mudar de vida para ficar mais próximo dos filhos.

No ambiente acadêmico, encontrou a porta de entrada para o empreendedorismo. Criou um bistrô baseado em economia circular, articulando educação ambiental, turismo, oficinas, artesanato local e interação com a comunidade. Marcus afirma que o início é a parte mais difícil.
É muita burocracia. A gente tem dificuldade de acesso às práticas e de entender os caminhos para formalizar e tirar a ideia do papel.”
Marcus Eliud Machado
Foi pela incubadora do Ifes que conseguiu chegar a instituições como Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), e disputar editais como o Centelha e o Nisa.
Apesar das dificuldades iniciais, ele enxerga um cenário promissor e acredita na expansão da conscientização ambiental e criativa. Seu sonho é ver o espaço totalmente integrado ao manguezal local, com circulação de moradores, estudantes, pescadores e artesãos.
“Informação é a base do negócio. E educação ambiental pode vir de qualquer lugar”, declara o empreendedor.
Games: a força da criatividade digital capixaba
Um dos setores que mais cresce dentro da economia criativa no Estado é o de jogos digitais. A Mito Games, dirigida por Marcelo Herzog, é um exemplo de como incentivos e visão estratégica podem impulsionar mercados emergentes.
Criada há nove anos, a empresa começou pequena, com cinco pessoas, desenvolvendo jogos educativos para gerar fluxo de caixa e experiência. O objetivo sempre foi chegar ao entretenimento, hoje, o principal nicho da indústria global.

A virada veio em 2019, com o contrato para o jogo War Dogs, criado em parceria com a Red Nose e publicado pela Kill Byte. A Mito se tornou publisher aprovada por Playstation, Xbox e Nintendo, permitindo lançar seus próprios jogos e portar títulos de outras empresas.
O estúdio alcançou projeção nacional em 2025, ao vencer o prêmio máximo da Pitch Arena da Abragames na Gamescom Latam, com o jogo “Tupi: A Lenda de Arariboia”, inspirado em povos originários. O projeto foi contemplado pela Lei de Incentivo à Cultura Capixaba (LICC) e patrocinado pelo Grupo Águia Branca. “Sem os editais, muitos projetos não sairiam do papel”, afirma Marcelo Herzog.
Esse apoio é essencial para que o mercado ganhe robustez e a indústria possa se retroalimentar.”
Marcelo Herzog, da Mito Games
Herzog destaca que a empresa só alcançou o nível atual de produção e escala porque conseguiu acessar diferentes políticas de fomento.
“A Mito tem um histórico de aprovações no Funcultura, na LICC e também em editais de inovação da Fapes. Sem esse apoio financeiro, estratégico e de planejamento, seria impossível chegar ao nível de escalabilidade que temos hoje, produzindo, portando e publicando jogos para PlayStation, Xbox, Nintendo e para o mercado global”, complementa.
Além disso, o jogo vai virar tabuleiro e quadrinhos, com 50 mil exemplares da HQ, previstos para distribuição gratuita para estudantes capixabas, caso o projeto na Lei Rouanet consiga patrocínio.
Espaço público conecta e estimula novos negócios
Na outra ponta da cadeia, o governo estadual aposta na estruturação desse ecossistema. A subsecretária de Políticas Culturais do Espírito Santo, Carolina Ruas, explica sobre o Hub ES+, que foi criado para conectar criativos, oferecer formação e estimular o surgimento de novos negócios.
O Hub ES+ é o primeiro espaço público de cultura e inovação do Espírito Santo, instalado no Centro de Vitória, e integra o programa ES+ Criativo, uma iniciativa estadual coordenada pela Secretaria da Cultura (Secult) em parceria com a Secretaria da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional (Secti).
O equipamento funciona como um ponto de encontro para artistas, empreendedores criativos, profissionais da tecnologia e agentes culturais, oferecendo oficinas, palestras, feiras e capacitações gratuitas.
Mais do que um espaço físico, o Hub ES+ atua como ambiente de formação e qualificação. No local, os participantes têm acesso a cursos e masterclasses em áreas como gestão cultural, mídias digitais, inteligência artificial e produção audiovisual, além de atividades voltadas ao desenvolvimento de projetos e negócios criativos.
A proposta é estruturar e preparar o ecossistema da economia criativa capixaba para acessar oportunidades e construir iniciativas sustentáveis.

Embora não seja um mecanismo de financiamento, o Hub ES+ contribui para preparar agentes culturais que disputam editais públicos de fomento, ajudando na elaboração de projetos mais consistentes.
Ao oferecer formação e apoio técnico, o Hub ajuda a tornar os projetos mais robustos e competitivos, fortalecendo a cadeia cultural e integrando políticas públicas de desenvolvimento do setor.
Eles financiam boas ideias e permitem que artistas e produtores desenvolvam seus primeiros produtos. Um jogo, um álbum, um livro, um espetáculo… Tudo nasce aí, com o aporte inicial”
Carolina Ruas, subsecretária de Estado de Políticas Culturais
Segundo ela, a política é consolidada: o Fundo Estadual de Cultura lança editais todos os anos em diversas linguagens. A partir deles, iniciantes conseguem circular suas obras, negociar com empresas do setor e fortalecer a própria trajetória.
A participação no Hub ES+ é gratuita e aberta ao público. Interessados podem acompanhar a agenda de atividades, se inscrever em oficinas e até propor o uso dos espaços para eventos e projetos próprios. Além disso, o equipamento realiza chamamentos periódicos para selecionar empreendedores e artistas para feiras, exposições e outras iniciativas.
A economia criativa como futuro sustentável
Carolina Ruas avalia ainda que a economia criativa é hoje uma das “novas economias”, com enorme potencial para o desenvolvimento social e econômico.
Para ela, trata-se de uma alternativa às economias clássicas baseadas em recursos finitos, como petróleo e outros insumos naturais que se esgotam. No Espírito Santo, destaca, o setor já demonstra força significativa.
Os dados do Instituto Jones mostram que a gente tem cerca de 10% das pessoas ocupadas hoje no Estado ligadas à economia criativa. Isso é muita coisa.”
Carolina Ruas
A subsecretária lembra que esse é um mercado baseado no capital humano, no capital intelectual e na criatividade, e, por isso, é um setor que não se esgota.
“É algo que sempre se renova, não tem fim, digamos assim. Você sempre pode ter uma nova boa ideia e criar algo novo”, diz.
Para ela, fortalecer o setor passa por ampliar o acesso às oportunidades, especialmente por meio de editais de fomento. “Os editais financiam boas ideias, ajudam as pessoas a tirarem suas criações do papel e oferecem essa primeira experiência, que é fundamental para que o produtor cultural possa testar, desenvolver e depois negociar o produto no mercado”, resume.