Economia

Embarques de ferro-gusa do Brasil para os EUA são suspensos

Empresas americanas importam 86,9% do produto exportado pelas siderúrgicas brasileiras; tarifa de 50%, a entrar em vigor no dia 1º

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Porto de Capuaba importação e porto de Vitória
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Sete Lagoas, município de 227 mil habitantes a 74 quilômetros de Belo Horizonte, é um dos maiores polos industriais de Minas Gerais, em setores como metalurgia, siderurgia, alimentos, bebidas e têxteis. Concentra 21 das 53 usinas produtoras de ferro-gusa do Estado e a maior capacidade de produção da matéria-prima.

Das exportações da commodity metálica por usinas mineiras, Sete Lagoas responde por cerca de US$ 600 milhões, ou R$ 3,3 bilhões pela cotação do dólar nesta quinta-feira, 24.

As divisas brasileiras com exportação de ferro-gusa no ano passado atingiram US$ 1,65 bilhão, o equivalente a R$ 9,1 bilhões. As exportações de siderúrgicas de Minas representaram 70% desse valor (US$ 1,15 bilhão).

Em volume, os EUA importam 86,9% (de Minas Gerais, 85%), o correspondente a 3,3 milhões de toneladas, conforme dados de 2024 do Sindifer, entidade que reúne os produtores de ferro-gusa em Minas Gerais, além de empresas de Mato Grosso do Sul e Espírito Santo.

Impacto da tarifa

A tarifa de 50% para exportações de produtos brasileiros aos EUA, se confirmada a partir de 1º de agosto, terá um grande impacto na economia da cidade mineira, disse Fausto Varela Cançado, presidente do Sindifer.

“Não há como redirecionar essas vendas em pouco tempo para outros mercados”, diz Varela, lembrando que 68% dos embarques de Minas Gerais têm como destino portos dos EUA.

Além disso, o dirigente admite que algumas siderúrgicas de gusa poderão paralisar usinas já a partir de agosto. Isso se não houver adiamento ou suspensão da tarifa, e conceder férias coletivas.

Ferro-gusa é uma liga de ferro e carbono obtida com minério de ferro e carvão vegetal ou coque, produzida em altos-fornos e utilizada como matéria-prima na fabricação de aço e autopeças e componentes automotivos.

“Somos o maior fornecedor do mercado americano. Há siderúrgicas de gusa no País que dependem 90% das vendas para os EUA”, informa Varela.

Depois do Brasil, com volume bem menor, vêm Ucrânia e Índia. A Rússia, que era o segundo maior fornecedor, sofre sanções americanas desde 2022 em razão da guerra com a Ucrânia.

O executivo, que preside o Sindifer desde o final de 2010, diz não ver uma situação tão preocupante como essa. Por ora, afirma, não se percebe evolução nas negociações conduzidas pelo governo.

“Estamos em diálogo com clientes nos EUA, que dependem do nosso produto, na tentativa de reverter a tarifa para o ferro-gusa”, diz Varela. “Caso seja mantida, vemos a paralisação de muitos fornos nas siderúrgicas de gusa.”

Embarque suspenso

Com duas operações, uma em Sete Lagoas e outra e Divinópolis, a SDS Siderúrgica, comandada pelo empresário Frederico Henriques Lima e Silva, já teve suspenso embarque programado para agosto. O cliente pediu que a carga fosse suspensa até uma definição da aplicação da tarifa de 50% a produtos brasileiros.

Da produção de Sete Lagoas da SDS, em dois altos-fornos, cerca de 40% vai para usinas de aço (25%) e fabricantes de autopeças (15%) dos EUA, informou Lima e Silva. Uma parcela um pouco maior, de 45%, é destinada a produtoras de autopeças da Europa.

Conforme Lima e Silva, a parcela da Europa demanda ferro-gusa tipo nodular, que tem especificação para essa aplicação, de maior sofisticação em qualidade. O restante é comercializado no mercado interno.

Há cerca de um ano, a SDS adquiriu a unidade de Divinópolis e investiu R$ 25 milhões na reforma da usina, que passou a ter capacidade de 12 mil toneladas por mês. A medida do presidente dos EUA, Donald Trump, pegou o empresário no contrapé: a retomada das operações estava prevista para este mês de julho.

Entre 60% e 70% da produção dessa usina seria destinada a usinas de fabricação de aço americanas. Havia uma perspectiva de expansão da demanda no país com base na competitividade do gusa brasileiro, que contribui para descarbonizar a indústria do aço, pois é produzido uso de carvão vegetal. Lima e Silva.

Uma alternativa, diz Lima e Silva, é adiar o religamento da usina de Divinópolis, até uma solução para a tarifa. Nessa usina, estavam previstos 160 trabalhadores na atividade direta, sem considerar os das florestas plantadas para produzir carvão vegetal. A unidade de Sete Lagoas, de maior capacidade, emprega 380 pessoas.

Siderúrgica no ES

O cenário é semelhante para o grupo mineiro Ferroeste, dono de uma siderúrgica de ferro-gusa em João Neiva, no Espírito Santo.

A operação é tocada pela empresa controlada CBF Indústria de Gusa, que vai fazer 40 anos em 2026, e conta com capacidade de 260 mil toneladas por ano em dois altos-fornos. Do que exporta, 55% a 60% vai para o mercado americano.

A situação é grave. Muita insegurança para esse setor. E também para os clientes americanos, que dependem do fornecimento do Brasil. Se a tarifa for mesmo aplicada a partir de 1° de agosto, teremos de tomar medidas. Nosso fôlego vai, no máximo, até o final do mês. Uma das medidas é paralisar o alto-forno menor e conceder, inicialmente, férias coletivas para parte dos funcionários. Silvia Nascimento, presidente da CBF.

A executiva, uma das acionistas do grupo Ferroeste, fundado pela família Nascimento, também preside a fabricante de aços longos Aço Verde do Brasil (AVB), situada em Açailândia (MA), que atua no mercado nacional.

“Até o momento não enxergamos um sinal de negociação que leve à volta da tarifa atual de 10%, que já era difícil para nós, pois as margens de ganho no negócio são baixas e até negativas”.

Para o setor siderúrgico de gusa, a situação é caótica, diz Silvia, que não se lembra, desde quando está nesse negócio, de uma situação tão difícil. “A insegurança de fornecimento está também nos EUA, nas companhias que necessitam dessa matéria-prima, caso de Nucor, Big River, Steel Dynamics, North Star e outras”, afirma.

Ferro-gusa brasileiro

De acordo com a executiva, os clientes americanos, que dependem de ferro-gusa brasileiro para suas operações, vêm absorvendo os 10% nos contratos de venda. “Porém, 50%, já disseram, que não há condições. Daí a suspensão de uma carga prevista para meados de agosto. No caso, de 15 mil toneladas.”

Os embarques da CBF, vários ao longo do ano, acontecem em navios que levam 45 mil toneladas. Para obter redução no frete, ocorrem de forma compartilhada com a SDS e outra siderúrgica.

Segundo Sílvia, os clientes têm feito pressão junto às autoridades de comércio americanas, uma estratégia que pode ter maior peso de pressão. “Mostrar para o governo a relevância de ter essa matéria-prima. São mais de 3 milhões de toneladas que o Brasil exporta aos EUA por ano”, afirma.

“Será um desastre”

“Para nós, da CBF, será um desastre. São entre 80 mil e 100 mil toneladas que vendemos lá. Vai atingir a economia do município de João Neiva”, ressalta a executiva. Anteriormente, no ano passado, a CBF teve receita líquida de R$ 590 milhões, com venda total de 232 mil toneladas, mas auferiu prejuízo. Desse volume, 84,5% foi para exportação. Outro mercado no exterior é a Europa.

No todo, considerando a siderúrgica e operações florestais próprias, para produção do carvão vegetal, a CBF tem quase mil profissionais, sendo metade em João Neiva. “Produzimos um gusa verde, buscado pelos clientes, com biorredutor vegetal e energia renovável, gerada na operação”.

No mercado internacional, a matéria-prima tem negociação entre US$ 450 e US$ 500 a toneladas. O preço da matéria-prima vive cenário de alta em razão da potencial alta da tarifa e problema no fornecimento. A substituição por sucata de ferro e aço não traz a mesma qualidade na aplicação, garante Varela, do Sindifer, além de levar a uma escalada na cotação da sucata.