Artigo Ibef-ES

A crônica taxa das blusinhas e seu erro anunciado

Lei que estabeleceu a taxa de importação para compras internacionais de até US$ 50 foi alvo de críticas até mesmo pelo presidente Lula

Foto: Freepik
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*Artigo escrito por Teuller Pimenta, advogado, especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo Especial de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.

Em junho de 2024, foi sancionada a chamada “taxa das blusinhas”, instituída pelo governo brasileiro como um tributo de importação para compras internacionais de até 50 dólares. À época, a justificativa era proteger a indústria nacional e equilibrar a concorrência com varejistas estrangeiros, sobretudo asiáticos.

No entanto, à luz dos dados revelados agora pelos Correios, o que se sucedeu foi a materialização de um erro estratégico anunciado por diversos especialistas.

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Vale rememorar: a lei que estabeleceu a taxa de importação para compras internacionais de até US$ 50 foi alvo de críticas até mesmo pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e mesmo assim, foi sancionada.

Taxas cobradas

Desde então, são cobradas duas alíquotas diferentes mais o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual (que no mês de abril de 2025 será elevado de 17% para 20%). Já as alíquotas da taxa federal ficaram divididas da seguinte forma: uma de 20% sobre o valor de US$ 50 e a outra de 60% sobre o valor excedente.

Agora, um estudo interno dos próprios Correios apontou um prejuízo de R$ 2,2 bilhões já em 2024 em decorrência da nova política tributária. Estimava-se que a estatal brasileira arrecadaria R$ 5,9 bilhões com o transporte de mercadorias internacionais naquele ano.

Com a nova taxação, o valor efetivamente arrecadado foi bastante inferior, de R$ 3,7 bilhões. A consequência imediata foi a perda de mais de 60% do mercado de transporte internacional, o que abriu espaço para empresas privadas, que absorveram boa parte da demanda.

Curiosamente, esses mesmos pontos haviam sido antecipados em análises críticas logo após a criação da taxa. O aumento de alíquotas em nome do protecionismo, longe de impulsionar a indústria nacional, comprometeu a cadeia logística, desestimulou o consumo e gerou fuga de usuários para alternativas mais flexíveis e menos onerosas.

Os Correios, antes quase monopolistas no segmento (com 98% de participação), viram-se reduzidos a pouco mais de 30% em menos de um ano. Isso porque, a medida levou as empresas a migrarem para canais logísticos próprios, como os oferecidos por plataformas como Shein, AliExpress e Amazon

Resultados da taxação

O equívoco se revela, sobretudo, no descompasso entre intenção e resultado. Em tese, a medida traria equilíbrio competitivo ao e-commerce nacional. Na prática, promoveu um efeito reverso: queda no volume de envios, redução na receita pública, encarecimento ao consumidor final e, agora se sabe, prejuízos bilionários à própria estrutura estatal.

Na seara tributária, há princípios inegociáveis, entre os quais destaca-se a neutralidade econômica, princípio esse ignorado pela “taxa das blusinhas”.

O princípio da neutralidade na tributação propõe que o sistema tributário deve interferir o mínimo possível nas decisões econômicas dos agentes, ou seja, os tributos não devem distorcer as escolhas de consumo, poupança, investimento ou produção.

Ele tem por objetivo criar um ambiente na qual as decisões negociais sejam tomadas com base em considerações puramente econômicas e não em incentivos fiscais.

Consequências das taxas

A taxa das blusinhas, por sua vez, afeta desproporcionalmente o consumidor de baixa renda que recorre ao comércio eletrônico como alternativa mais acessível, ao mesmo tempo em que falha em estimular de forma concreta a indústria nacional. A elevação da carga tributária sem correção das assimetrias produtivas não gera desenvolvimento; apenas transfere a conta.

Ademais, o governo federal está agora pressionado a revisar o decreto-lei da tributação simplificada, reconhecendo que a medida provocou mais danos do que benefícios. Fica evidente que não se trata de uma questão ideológica, mas de cálculo.

Quando o resultado prático de uma política é a redução da competitividade, o prejuízo estatal e o descontentamento social, não há retórica que a sustente.

O caso oferece uma importante lição: o protecionismo mal calibrado tende a fracassar. É preciso entender que a modernidade econômica não se constrói com barreiras, mas com eficiência, produtividade e competitividade real. O consumidor globalizado exige liberdade de escolha, e o Estado, em sua função reguladora, deve fomentar essa liberdade, e não a restringir.

Nesse cenário, resta a pergunta inevitável: por que insistimos em erros já desmascarados pela história? Como na clássica cena de Curtindo a Vida Adoidado, em que um professor narra os impactos das tarifas alfandegárias Smoot-Hawley na Grande Depressão de 1930 diante de alunos indiferentes e entediados, o Brasil parece repetir o roteiro (mas sem a leveza da Sessão da Tarde).

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.

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