*Artigo escrito por Teuller Pimenta, advogado, especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo de Tributação Empresarial do Ibef-ES e do Ibef Academy.
Em um país onde o direito à segurança é um pilar constitucional para todos, o crescente número de carros blindados no Brasil expõe uma realidade preocupante: a falência do Estado em cumprir sua função básica de proteger seus cidadãos.
O aumento expressivo na procura por veículos blindados em 2024 não é um reflexo do crescimento econômico ou de um modismo de luxo, mas um sintoma claro de um problema estrutural: o já conhecido colapso da segurança pública.
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Blindagem de carros
Foi-se o tempo em que blindar um carro era algo raro e restrito a poucos privilegiados. Em 2024, nada menos que 4.402 veículos receberam proteção balística, um aumento de 17,5% em relação a 2023. Esse dado não é trivial. Ele revela o grau de preocupação dos cidadãos com sua própria segurança e a desconfiança crescente na capacidade do Estado de protegê-los.
O estado de São Paulo lidera o ranking, concentrando a esmagadora maioria das blindagens, com quase 29 mil veículos. Em seguida, aparecem Rio de Janeiro (2.669), Ceará (992), Pernambuco (843) e Rio Grande do Sul (395).
A distribuição geográfica desses números revela que o fenômeno da blindagem não está restrito a uma única região ou classe social, mas é uma resposta generalizada ao medo e à insegurança que permeiam o país.
Essa alta importa uma vez que é um forte indício do crescente sentimento de insegurança, e os números oficiais comprovam isso. Em 2024, houve um aumento de 8,2% nos crimes violentos, com destaque para roubos e furtos de veículos.
Só em São Paulo, nos quatro primeiros meses do ano, foram registrados 17.536 furtos e 4.437 roubos de carros, uma média alarmante de 181 ocorrências por dia. Esses números evidenciam que a criminalidade não apenas persiste, mas cresce, levando cidadãos a buscar soluções privadas de proteção.
Papel do Estado
Adam Smith, em sua obra seminal “A Riqueza das Nações”, argumentava que o papel do Estado deveria ser limitado a três funções principais: proteger a sociedade contra a violência e a invasão de outras sociedades, assegurar a justiça entre os cidadãos e construir e manter certas obras públicas que o mercado privado não teria interesse em realizar.
Quando o Estado falha em oferecer segurança, uma de suas atribuições mais fundamentais, cria-se um paradoxo que mina as bases do “contrato social”.
Ainda sob a ótica do pensamento liberal clássico, Milton Friedman narra que o papel do Estado deve se concentrar em funções essenciais e intransferíveis, como a segurança pública, a justiça e a defesa nacional.
O liberalismo defende um Estado mínimo, mas eficiente, que garanta aos cidadãos direitos básicos, entre eles, o direito à vida e à propriedade.
Mercado da blindagem
O crescimento do mercado de blindagem é um exemplo claro desse colapso institucional. Em vez de depender do aparato estatal para sua proteção, o cidadão se vê forçado a arcar com custos privados para garantir sua integridade física.
Isso distorce a lógica do Estado e aprofunda desigualdades sociais, afinal, enquanto uma pequena parcela da população tem recursos para investir em carros blindados, sistemas de segurança privada e seguros especializados, a maioria permanece vulnerável e exposta aos riscos diários.
O Estado, portanto, falha duplamente: primeiro, ao não prover segurança pública efetiva; segundo, ao permitir que o acesso à proteção se torne um privilégio.
Insegurança
A insegurança generalizada também corrói um dos pilares centrais do pensamento liberal: a liberdade individual. Em teoria, todos os cidadãos deveriam ter o direito pleno de ir e vir, sem restrições ou medos. Contudo, em um ambiente marcado pela violência crescente, essa liberdade se torna ilusória.
O medo de ser vítima de um crime limita escolhas cotidianas, restringe deslocamentos e afeta até mesmo decisões econômicas, como a compra de bens de maior valor ou o investimento em determinadas regiões.
Blindar o carro passa a ser, assim, uma estratégia de sobrevivência. Mas é também uma metáfora poderosa: o cidadão se protege fisicamente, mas permanece psicologicamente enclausurado pelo medo.
Além disso, também gera efeitos colaterais preocupantes, como contribuir para um ciclo vicioso de medo e isolamento. Comunidades se tornam cada vez mais fechadas, o convívio social se deteriora e o sentimento de pertencimento à coletividade se enfraquece.
Em última instância, a proliferação de medidas de segurança privada contribui para a fragmentação social, criando “ilhas de segurança” em meio a um mar de vulnerabilidade.
Impactos negativos
Sob o ponto de vista econômico, essa realidade também tem impactos negativos. Recursos que poderiam ser investidos em consumo, lazer ou educação são direcionados para medidas de segurança.
O mercado imobiliário é afetado, com a desvalorização de regiões consideradas perigosas, enquanto áreas mais seguras se tornam cada vez mais inacessíveis. O comércio sofre, pois consumidores evitam determinadas áreas ou horários por medo de se tornarem vítimas.
Assim, o aumento expressivo no número de carros blindados é muito mais do que um dado estatístico; é um retrato da falência estatal em um de seus deveres mais básicos.
A sensação de insegurança que leva milhares de brasileiros a investir em blindagem automotiva evidencia um Estado que não cumpre seu papel, forçando os cidadãos a buscar soluções individuais.
Essa falha é inaceitável. O Estado deve ser enxuto, sim, mas forte e eficiente onde realmente importa. Segurança pública não é um luxo ou um serviço opcional: é um direito fundamental.
Enquanto essa premissa não for plenamente atendida, o país continuará dividido entre aqueles que podem se proteger e aqueles que seguem vulneráveis, evidenciando a profunda crise do pacto social brasileiro.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.