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Rupturas nas relações humanas e seus reflexos econômicos

Como a desconfiança generalizada nas relações humanas impacta negócios, produtividade e o desenvolvimento econômico

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Foto: Freepik
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*Artigo escrito por Teuller Pimenta, advogado, Especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy

A sociedade contemporânea vive uma era marcada por avanços tecnológicos acelerados, conexões digitais instantâneas e uma profusão de dados circulando em tempo real. No entanto, em meio a esse cenário de inovação constante, consolida-se um fenômeno silencioso, porém profundo: a desconfiança generalizada.

Nesse cenário, além dos prejuízos à convivência social, as consequências da suspeita constante refletem, cada vez mais, nos negócios e nas empresas.

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Em um passado não tão distante, no tempo em que “nossos pais nos contavam”, era comum que compras fossem feitas “no fiado”, baseadas apenas na palavra empenhada e em um simples aperto de mãos.

As relações comerciais e pessoais eram regidas por confiança mútua, e o crédito era uma operação, antes de tudo, moral. Hoje, práticas como essas tornaram-se exceções e, por vezes, anedotas nostálgicas.

Desconfiança

O crescimento da desconfiança social decorre de uma multiplicidade de fatores: escândalos políticos, fraudes empresariais, golpes digitais, disseminação de desinformação e uma cultura jurídica cada vez mais litigiosa.

Esses elementos contribuíram para o fortalecimento de uma percepção constante de risco em relação ao outro. A máxima popular “confiar desconfiando” deixou de ser um mero ditado para se tornar regra tácita nas interações cotidianas.

A desconfiança se estabeleceu como protocolo, como procedimento. E ninguém mais cogitaria vender fiado. Assim, em uma média de meio século apenas, foi construída uma sociedade da desconfiança, em que a palavra, antes símbolo de prestígio, tornou-se vã.

A desconfiança não chega de repente, como um prédio que desaba, mas cresce lentamente, tijolo por tijolo, até se tornar um muro. Mas ela resulta das próprias práticas humanas cotidianas desvirtuadas.

Em sociedades em que a confiança deixa de ser o padrão, as relações perdem um dos seus pilares subjetivos mais relevantes. Com isso, as interações econômicas tornam-se mais complexas e onerosas, criando um ambiente desfavorável à geração de riqueza e ao progresso social.

Cultura da vigilância

Nesse sentido, observa-se, com frequência, a implantação de contratos mais rígidos, a adoção de sistemas de vigilância intensivos, o investimento em auditorias, controles internos e compliance. Bem como a multiplicação de métodos para se evitar fraudes e golpes.

Empresas têm direcionado cada vez mais recursos não para o desenvolvimento humano ou de produtos. Mas para o monitoramento constante de condutas ou sistemas que evitem prejuízos financeiros.

Além de encarecer as transações com custos indiretos elevados, conhecidos pelos economistas como “custos de transação”, o ambiente de desconfiança generalizada também leva à perda de inúmeras oportunidades e investimentos.

Para o trabalhador, a manutenção da confiança também tem efeitos colaterais significativos: ambientes profissionais baseados em controle excessivo tendem a sufocar a criatividade, reduzir o engajamento e desestimular a autonomia.

Alain Peyrefitte, intelectual, político e diplomata francês, escreveu o livro intitulado “A Sociedade da Confiança”. Nessa obra, o autor defende a tese de que o grau de confiança mútua existente entre os membros de uma sociedade é o principal fator responsável pelo seu desenvolvimento econômico. Assim descreve o autor: 

“o elo social mais forte e mais fecundo é aquele que tem por base a confiança recíproca – entre um homem e uma mulher, entre os pais e seus filhos, entre o chefe e os homens que ele conduz, entre cidadãos de uma mesma pátria, entre o doente e seu médico, entre os alunos e o professor, entre um prestamista e um prestatário, entre o indivíduo empreendedor e seus comanditários – enquanto que, inversamente, a desconfiança esteriliza.”

Reconstrução da confiança

Diante disso, impõe-se uma pergunta: se confiar é, comprovadamente, mais produtivo, por que persiste a cultura da vigilância? A resposta, ao que parece, está nas transformações mais amplas da estrutura social. A perda de força das instituições tradicionais como família, vizinhança, igreja e comunidades, bem como das instituições públicas ligadas à ordem e à disciplina, como a polícia, contribuiu para uma sociedade mais individualizada, menos coesa e respeitosa.

Esse entendimento, inclusive, é partilhado por Zygmunt Bauman, na chamada “modernidade líquida”, quando transmite a ideia de que os vínculos duradouros e os compromissos coletivos dão lugar à fluidez das relações e à insegurança institucional.

Quando o ambiente favorece a desconfiança, quando há tolerância da astúcia e o engodo, ou até mesmo incentivados, por vezes pela própria legislação. Até quando faltam estímulos claros para que a confiança se torne a regra, o destino inevitável são os ciclos recorrentes de estagnação econômica e fragilidade social.

Por isso, reconstruir a confiança é um imperativo. Não se trata de um gesto ingênuo, mas de uma estratégia racional e eficaz. A confiança deve ser compreendida como um ativo econômico e capital simbólico. Fundamental tanto para a saúde das instituições e para a produtividade empresarial, quanto para o bem-estar social.

Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.

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