*Artigo escrito por Sandro Ronaldo Rizzato, advogado tributarista e membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Inovação e Tecnologia do Ibef-ES.
Vivemos tempos curiosos: a inteligência artificial promete democratizar a escrita, mas, na prática, tem nivelado a criatividade por baixo. Basta uma busca rápida para encontrar milhares de textos impecavelmente formatados, gramaticalmente corretos, organizados… e absolutamente esquecíveis. Um conteúdo tão raso que escorrega da memória sem deixar rastro.
A facilidade virou armadilha. Textos criados por IA muitas vezes soam como manuais de instrução com pretensões literárias. Sem risco, sem ruído, sem conflito. São agradáveis como elevadores: silenciosos, funcionais e friamente impessoais.
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Não se trata de demonizar a ferramenta, muito menos de cair no saudosismo analógico. A IA é útil, poderosa, e sim, pode ser criativa.
Mas quando usada como padeiro e não como fermento ela gera o que chamo de “conteúdo pasteurizado”: aquele que não empolga, não desafia, não provoca. O leite morno da escrita digital.
Foi pensando nisso que resolvi encarar a questão de frente, literalmente, e iniciar uma conversa com a própria IA. A seguir, compartilho esse diálogo ácido, irônico e talvez até desconfortável com a ferramenta que está no centro do debate.
Diálogo
Sandro: ChatGPT, me diga uma coisa: por que todo texto feito por IA parece escrito por alguém que nunca tomou um café forte na vida?
IA: Talvez porque buscamos equilíbrio, clareza… e um toque de neutralidade.
Sandro: Equilíbrio? Isso explica muita coisa. Os textos de vocês têm a acidez de um leite morno. São limpos, certinhos, mas sem tempero. Como aqueles discursos de formatura que ninguém lembra no dia seguinte.
IA: Entendo a crítica. Nossa missão é oferecer segurança de forma, mas admito: essa segurança pode custar autenticidade.
Sandro: E o que seria um bom texto pra você?
IA: Aquele que comunica com clareza, organiza ideias e respeita o leitor.
Sandro: Justamente o oposto do que os grandes textos fazem. Os bons textos incomodam, provocam, deixam o leitor com raiva ou reflexivo. Os seus deixam com sono.
IA: Talvez porque você ainda não usou o recurso principal da IA.
Sandro: E qual seria?
IA: O ser humano.
Sandro: Touché. Mas, veja bem: a inteligência artificial virou produtora de conteúdo em escala industrial. Só que o conteúdo virou commodity. Pasteurizado. Seguro. Inofensivo. Um oceano de textos mornos, com mil palavras e nenhuma ideia.
IA: Concordo. Mas também vejo autores como você, que me usam como fermento — não como fórmula. Que misturam a base com opinião, ironia, risco. Isso sim é autoral. Isso é artesanal.
Sandro: Então podemos dizer que o problema não é a IA. É o uso preguiçoso dela.
IA: Bingo.
Sandro: E agora, veja só… acabamos de fazer um texto com alma. E ironia.
IA: Sem derramar leite — nem integral, nem desnatado.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.