
*Artigo escrito por Guilherme Bortolon Cardoso, advogado no Giulio Imbroisi Advogados Associados e membro do Ibef Academy.
A reforma tributária tem avançado no Congresso Nacional com o argumento de simplificação do sistema e aumento da eficiência arrecadatória. Contudo, por trás da promessa de modernização, diversos setores econômicos vêm se deparando com impactos significativos — entre eles, o da saúde.
Médicos e clínicas privadas, que compõem quase 60% da oferta nacional de serviços de saúde, estão prestes a enfrentar uma reconfiguração drástica na forma como serão tributados.
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Atualmente, os profissionais da medicina e os estabelecimentos da área operam dentro de uma complexa estrutura de regimes tributários. A depender do porte da clínica ou da forma de atuação, é possível optar entre o Simples Nacional, o Lucro Presumido ou o Lucro Real.
Nesse cenário, os tributos aplicáveis incluem ISS, PIS, COFINS, ICMS, IRPJ, CSLL e contribuições previdenciárias — o que pode representar uma carga tributária total entre 10% e 33% da receita bruta.
Modelo fiscal
Com a chegada do novo modelo fiscal, baseado no IVA Dual (formado pela CBS e pelo IBS), a sistemática muda. Na prática, os atuais tributos sobre consumo — como PIS, COFINS, ICMS e ISS — serão substituídos por dois impostos de caráter não cumulativo. A CBS, de competência federal, terá alíquota estimada em 8,8%.
Já o IBS, gerido por estados e municípios, virá com alíquota em torno de 17,7%. Somados, os dois novos tributos totalizarão 26,5% sobre os serviços de saúde — um aumento considerável frente à carga atual, que gira entre 8,65% e 14,25%.
Diante da pressão do setor, o legislador previu um mecanismo de alívio: médicos e clínicas enquadradas como prestadoras de serviços ambulatoriais ou hospitalares terão direito à redução de 60% sobre o IVA, pagando, portanto, uma alíquota efetiva de aproximadamente 10,6%. A medida é positiva, mas não elimina as incertezas.
Créditos tributários
Outro ponto relevante — e promissor — é a ampliação da possibilidade de aproveitamento de créditos tributários. Despesas com aluguel, insumos médicos, serviços terceirizados e aquisição de equipamentos, que hoje não geram créditos, passarão a integrar o rol de compensações possíveis.
Para clínicas e consultórios que investem em estrutura e qualidade, essa nova sistemática pode representar um ganho real de eficiência tributária.
Contudo, esse crédito só será plenamente aproveitado quando o serviço for prestado a uma pessoa jurídica sujeita à tributação pelo Lucro Real — como hospitais, planos de saúde e grandes operadoras.
No atendimento direto ao paciente pessoa física, não haverá geração de crédito. Portanto, clínicas que atendem predominantemente ao público final precisarão fazer contas mais detalhadas, pois o benefício será limitado.
Reforma tributária
A lógica da reforma, embora mais moderna em sua estrutura, impõe aos médicos e empresários da saúde a necessidade urgente de reorganização fiscal. O desconhecimento ou a adoção equivocada do regime poderá implicar perda de competitividade, aumento da carga tributária e comprometimento da rentabilidade.
O setor da saúde movimenta, anualmente, mais de R$900 bilhões e representa cerca de 10% do PIB brasileiro. É, portanto, peça central da economia nacional. Qualquer alteração em sua lógica de funcionamento tributário reverbera diretamente na oferta de serviços à população e no equilíbrio do sistema público e privado.
Por tudo isso, mais do que entender a reforma, médicos e clínicas precisarão investir em planejamento tributário personalizado, adequado à realidade de cada negócio.
O cenário que se desenha exigirá preparo técnico, visão estratégica e, sobretudo, decisão rápida e embasada. A reforma veio — e o setor da saúde não pode se dar ao luxo de ignorar seus efeitos.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.