
*Artigo escrito por Rovena Mariano Cabral, administradora, coordenadora do Comitê ESG da Cesan, gestora da Divisão de Contratos e Documentos da Cesan e líder do Comitê Qualificado de Conteúdo de ESG do IBEF-ES.
O acesso universal ao saneamento básico é um dos maiores desafios ambientais e sociais do Brasil. Com a meta estabelecida pelo Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), o país precisa garantir que, até 2033, 99% da população tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto.
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Para isso, e em contraste com os atuais 83,7% e 62,5%, respectivamente, serão necessários investimentos da ordem de R$ 890 bilhões, segundo o BNDES.
No entanto, essa expansão traz uma questão crucial: como garantir que o crescimento da infraestrutura de saneamento esteja alinhado com as metas de descarbonização e sustentabilidade?
O tratamento de água e esgoto é essencial para a saúde pública e a preservação dos recursos hídricos, mas também representa uma fonte significativa de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Processos de tratamento liberam metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O), gases com potencial de aquecimento global 28 e 265 vezes maior que o CO₂, respectivamente.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o setor de saneamento é responsável por até 3% das emissões globais de GEE.
No Brasil, um estudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) aponta que as emissões diretas do setor ultrapassam 6 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, um número que tende a crescer com a construção de novas estações de tratamento.
O impacto do esgoto não tratado
Se, por um lado, o tratamento de esgoto gera emissões, por outro, sua ausência causa impactos ambientais ainda mais severos.
O despejo de esgoto sem tratamento nos corpos d’água leva à decomposição anaeróbica da matéria orgânica, resultando na liberação descontrolada de metano e óxido nitroso.
Um levantamento do Instituto Trata Brasil estima que 5,8 milhões de toneladas de CO₂ equivalente são emitidas anualmente no país devido ao esgoto não tratado.
Além disso, essa poluição compromete a qualidade dos mananciais, exigindo um consumo ainda maior de energia para o tratamento da água captada.
A solução, portanto, não está em evitar a construção de novas Estações de Tratamento de Água (ETAs) e Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), mas sim em torná-las mais eficientes e sustentáveis.
Caminhos para um saneamento de baixo carbono
As empresas do setor têm um papel estratégico na promoção de um modelo de saneamento sustentável. Algumas soluções já se mostram viáveis e eficazes na redução das emissões:
Biogás como fonte de energia renovável
O uso de biodigestores para capturar e reaproveitar o biogás gerado no tratamento de esgoto pode reduzir drasticamente as emissões do setor.
Segundo o CIBiogás, a tecnologia pode mitigar até 80% das emissões de GEE nas ETEs.
A SANEPAR, no Paraná, já adotou essa solução e conseguiu reduzir em 60% seu consumo de energia elétrica em algumas unidades.
Aproveitamento energético e fontes renováveis
Além do biogás, muitas concessionárias estão investindo em energia solar e eólica para abastecer suas operações.
A SABESP, em São Paulo, implementou um projeto de aproveitamento energético que reduziu em 30 mil toneladas por ano suas emissões de CO₂ equivalente.
Compensação com reflorestamento
O plantio de árvores pode compensar emissões e, ao mesmo tempo, preservar os mananciais utilizados para abastecimento.
De acordo com a Embrapa, espécies nativas podem sequestrar até 10 toneladas de CO₂ por hectare ao ano.
No Espírito Santo, a CESAN já desenvolve programas de recuperação de matas ciliares, garantindo a proteção das fontes de água e a redução do assoreamento dos rios.
Eficiência energética no tratamento
A modernização de equipamentos e processos pode reduzir significativamente a pegada de carbono das ETAs e ETEs.
A SANEPAR, por exemplo, investiu na instalação de painéis solares, reduzindo 20% da demanda elétrica em algumas de suas estações.
Saneamento sustentável é possível
A universalização do saneamento não precisa ser um vilão do meio ambiente. Pelo contrário: se feita com planejamento e inovação, essa expansão pode representar um salto para a sustentabilidade.
O uso de biogás, fontes renováveis de energia, reflorestamento e eficiência energética são caminhos viáveis para garantir que o crescimento do setor aconteça em sintonia com as metas de descarbonização.
O desafio está lançado. Agora, cabe às empresas de saneamento liderarem essa transformação e mostrarem que é possível equilibrar desenvolvimento, responsabilidade ambiental e compromisso com um futuro mais sustentável.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.