
*Artigo escrito por Sandro Ronaldo Rizzato, advogado empresarial e membro do comitê qualificado de conteúdo de inovação e tecnologia do Ibef-ES.
O mundo vive uma espécie de strip-tease digital coletivo. Cada um tira a própria roupa da privacidade, pedaço por pedaço, com entusiasmo — e ainda espera aplausos.
A diferença é que, em vez de um palco, as redes sociais cumprem o papel de vitrine. E o pagamento não é em dinheiro, mas em curtidas, views e aprovação social. Ou reprovação.
A privacidade morreu, e ninguém está de luto. Muito pelo contrário: há quem faça dancinha até no enterro, com filtro, trilha sonora e hashtag patrocinada.
O cenário é um paradoxo tragicômico: quem reclama da invasão de privacidade por governos, empresas ou inteligências artificiais, muitas vezes, é o mesmo que posta o próprio café da manhã com geolocalização ativada, expõe filhos como mini-influencers e transforma brigas conjugais em enquetes nos stories.
O problema vai além do que se escolhe exibir. A parte mais crítica está no que é entregue sem perceber. Cada curtida, clique, deslizar de dedo, tempo de permanência e hesitação na rolagem é rastreado, processado e devolvido na forma de sugestão, manipulação e modelagem de comportamento. A IA não invade a vida de ninguém, apenas lê o que já foi pendurado no varal digital.
E pendura-se tudo: hábitos, desejos, dúvidas, humores. embalados com emojis e trilha sonora do momento. A exposição tornou-se estilo de vida. Sendo assim, quanto mais se mostra, mais se sente “pertencente”.
Basta falar algo aleatório perto do celular — “fogão a lenha”, por exemplo e, de repente, começam a surgir anúncios de fogão a lenha em todo canto: no Instagram, nas páginas de jornal, em blogs, no Facebook…
Mundo sem privacidade
Talvez o comportamento coletivo esteja mais para a música do Ultraje a Rigor: “nu, nu, nu com a mão no bolso”.
Uma nudez voluntária e resignada, travestida de liberdade, mas que esconde um desconforto escancarado. A diferença é que, agora, o bolso nem guarda mais nada: nem dados, nem autonomia.
O resultado é um mundo onde a noção de vida privada tornou-se obsoleta. Um conceito nostálgico, tipo telefone com fio. Hoje, estar fora da rede soa como inexistência. Não tem TikTok, Facebook ou Instagram? Estranho… que mundo é esse?
A pergunta que sobra é desconfortável: há liberdade na exposição ou apenas repetição de um comportamento programado, vendido como autenticidade?
Por fim, a verdade é que a privacidade não foi tirada; foi descartada. E, sobre os escombros, continuam as poses, acompanhadas do apelo silencioso: “Compartilha aí.” “Curte aí.”
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.