
Criada para evitar a falência de empresas viáveis, preservar empregos e proteger a função social dos negócios, a recuperação judicial está sob vigilância mais rígida do Judiciário, segundo especialistas.
Segundo ele, nos últimos meses, magistrados têm barrado pedidos abusivos e punido condutas fraudulentas. O que distorcem a finalidade do instituto para protelar execuções ou obter vantagens ilegítimas.
O abuso ocorre quando a recuperação é usada fora de sua finalidade,
Felipe Finamore Simoni, especialista em Direito Empresarial e membro da Comissão Especial de Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB.
Ele cita decisão recente do TJ-SP, na qual apenas 7,54% das dívidas de uma empresa de transportes estavam sujeitas à recuperação — os outros 92,46% eram garantias fiduciárias, não incluídas no procedimento.
“Na prática, o objetivo era manter a posse de veículos fora do alcance do processo, o que distorce completamente a finalidade do instituto”, destacou Simoni.
Outro indício de fraude, conforme exposto pelo advogado, é a formação irregular da lista de credores, omitindo partes relacionadas para manipular o quórum da assembleia.
Voto abusivo
Para o especialista em Direito Público e Tributário, Marco Túlio Ribeiro Fialho, o voto também pode ter uso de forma abusiva. Por exemplo, quando um credor age apenas em benefício próprio, mesmo que isso leve à falência de uma empresa saudável.
Ele exemplifica com o caso de um credor quirografário (aqueles que não têm garantia real e recebem após os credores com garantia real e os créditos privilegiados) que condiciona seu voto favorável a cláusulas que aumentam artificialmente seu crédito, impondo multas, encargos excessivos e prazos inviáveis.
Nesse cenário, o objetivo não é negociar de boa-fé, mas criar uma barreira intransponível para obter vantagem desproporcional, mesmo que isso inviabilize o plano e leve a empresa à falência. Essa conduta caracteriza abuso claro e autoriza a intervenção judicial para desconsiderar o voto.
Marco Túlio Ribeiro Fialho, especialista em Direito Público e Tributário
Finamore acrescentou que credor com garantia real pode rejeitar o plano apenas para provocar a falência, mesmo quando isso não afeta seu crédito. “Esse comportamento afronta a boa-fé objetiva e o princípio da função social do crédito, podendo levar o juiz a desconsiderar o voto”, afirmou o especialista.
Intervenção judicial e controle de cláusulas
Embora a assembleia tenha soberania, Finamore lembra que ela não é absoluta. Cláusulas que eliminam garantias sem consentimento do credor, por exemplo, podem ser anuladas. O juiz deve controlar a legalidade do plano, mas não julgar sua viabilidade econômica de forma pessoal.
Ferramentas para coibir abusos
De acordo com os especialistas, a lei já oferece meios para evitar distorções: constatação prévia, aplicação dos princípios de boa-fé e probidade processual, e atuação preventiva do administrador judicial. Perícias contábeis e financeiras logo no início do processo ajudam a identificar vínculos ocultos e passivos inflados.
Quando o abuso tem comprovação, o juiz pode extinguir o processo, enviar o caso ao Ministério Público e aplicar multa de até 20% sobre o valor da causa. “O recado é claro: a recuperação judicial não é um escudo para práticas ilícitas”, pontuou Finamore.
Fialho concluiu que o combate aos abusos preserva a confiança no mecanismo. “É fundamental diferenciar um plano economicamente arriscado, que faz parte da dinâmica empresarial, de um plano abusivo ou ilegal, que deve ser barrado”, finalizou o advogado.