Medicina e Reforma Tributária: a liberdade de empreender exige o dever de planejar

Estima-se que em Vitória, Espírito Santo, o número de profissionais de saúde formados e estabelecidos no estado tenha crescido a uma taxa superior à absorção real da demanda, sendo a  taxa de médicos por habitante de 18,7 médicos por mil habitantes, a maior densidade médica do Brasil. Em outras palavras: há mais oferta do que mercado.

Essa saturação compromete diretamente a precificação dos serviços médicos, já que a concorrência impõe descontos, pacotes, promoções e uma disputa intensa por convênios. Em um cenário de margens estreitas, qualquer incremento na carga tributária pode significar o colapso do modelo de negócio. 

A Reforma Tributária, nesse contexto, não encontra clínicas em posição confortável, mas sim estruturas pressionadas, muitas vezes operando no limite da viabilidade econômica. Segundo o CRM, desde  o início da década de 1990, a quantidade de médicos mais que quadruplicou, passando de 131.278 profissionais para o número atual, registrado em janeiro de 2024. Com isso, a concorrência beneficia o consumidor, mas obriga o empreendedor a reduz suas margens e apertar seus custos.

O novo modelo brasileiro de tributação sobre consumo promete alterar drasticamente a forma como empresas se organizam, recolhem tributos e operam no dia a dia. Entre os setores mais afetados, está o de saúde, um dos mais regulados, sensíveis e, paradoxalmente, negligenciados em estratégias de eficiência tributária.

Com a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, de competência estadual e municipal), o modelo brasileiro de tributação passará a concentrar diversos tributos atualmente existentes, como ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins, cuja alíquota geral estimada poderá chegar a 28,1%. A transição iniciará já em 2026 com a alíquota teste de 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS, mas seus efeitos já estão batendo à porta.

Impacto da Reforma Tributária no Setor de Saúde

Uma conquista relevante do setor de saúde reside no fato de que clínicas e profissionais enquadrados nas atividades médicas terão direito à redução de 60% sobre a alíquota cheia. Trata-se de um importante reconhecimento da essencialidade da atividade médica e da sua função social.

No entanto, essa redução não é automática nem irrestrita. Depende de correta classificação da atividade econômica (CNAE), conformidade jurídica, ausência de conflitos com regimes especiais e, sobretudo, estrutura operacional condizente com o que a legislação exige. Em outras palavras, clínicas desorganizadas ou mal parametrizadas podem acabar sendo tributadas como prestadoras de serviços gerais, perdendo o direito à alíquota reduzida por puro desconhecimento técnico ou erro estratégico.

Além disso, é importante ressaltar que a redução não alcança os demais tributos, quais sejam, IRPJ e CSLL, pelo que a alíquota efetiva que atualmente é praticada em serviços médicos média de 13,33% (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e ISSQN) poderá ser superior a 20%.

Oportunidades na Área Médica

É nesse cenário que desponta uma oportunidade ignorada por grande parte dos gestores da área médica: clínicas e grupos que possuem receita recorrente e margem operacional podem reduzir em até 70% o valor efetivamente pago de IRPJ e CSLL, desde que estruturem corretamente sua operação. 

Esse benefício é legal, baseado em decisões recentes dos tribunais superiores, e acessível àqueles que conseguem comprovar a natureza de sua atividade como prestação de serviços com estrutura empresarial e risco assumido. Trata-se de uma estratégia que, quando implantada com segurança técnica e amparo documental, não apenas amplia a margem líquida da clínica, como reforça a sua musculatura frente às exigências da reforma.

Grupos que se anteciparam ao cenário vêm reorganizando sistemas de gestão, parametrizando ERPs para capturar e processar dados fiscais em tempo real, também formando análises das políticas de precificação e honorários, além da permanência ou migração de regime tributário. 

Há uma movimentação silenciosa, mas extremamente estratégica, sendo conduzida por quem compreendeu que essa transição não se trata apenas de cumprir novas regras, mas de aproveitar a oportunidade para redesenhar a estrutura com mais eficiência.

Estratégias e Governança na Reforma Tributária

Não se trata mais de um desafio apenas contábil, mas de uma mudança que atinge a governança e o posicionamento de mercado da empresa e, acima de tudo, estratégia de planejamento tributário. Na prática, o que está em jogo é o futuro das margens. Num setor que lida com tabelamentos, glosas, convênios e judicializações, a Reforma Tributária representa o divisor de águas entre a clínica que sobrevive e a que prospera.

Em períodos de incerteza normativa, quem lidera o processo de adaptação não apenas sobrevive, mas consolida espaço no mercado, atrai talentos e fortalece sua reputação institucional. Os profissionais da saúde, muitas vezes focados apenas na qualidade técnica do atendimento, precisam compreender que a sustentabilidade de seu negócio depende diretamente da engenharia tributária que o sustenta. A escolha entre prevenir ou remediar é, mais do que nunca, uma escolha estratégica.

Efigenia Márlia Brasilino de Morais Cruz

Colunista

Associada do Instituto Líderes do Amanhã

Associada do Instituto Líderes do Amanhã