Economia

'Dúvidas fiscais e câmbio ampliam papel do BC', diz o economista Júio Senna

Redação Folha Vitória

São Paulo - Os problemas com o ajuste fiscal e o desequilíbrio externo aumentaram muito a responsabilidade do Banco Central na tarefa de buscar o reequilíbrio macroeconômico do Brasil, na visão do economista José Júlio Senna, que chefia o Centro de Estudos Monetários (CEM) do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). "Agora o BC precisa contribuir muito para as expectativas de ajuste macroeconômico e combate à inflação não se esvaírem", afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Senna está lançando o livro Essays and Conversations on Monetary Policy - que reúne ensaios e entrevistas da publicação semestral do CEM - com um seminário sobre política monetária na FGV-Rio, quinta-feira, com a presença de ex-diretores do BC. Para o economista, a última decisão do Copom de elevar os juros mais uma vez foi "esperada e correta". Segundo Senna, no finalzinho do ano e começo de janeiro, se teve a impressão de que o ajustamento das contas públicas brasileiras seria a pedra fundamental do combate à inflação, ajudando a controlar as expectativas. Agora, diz ele, houve uma embaralhada na política fiscal.

"Em princípio, o ajuste terá continuidade, mas as dúvidas que surgiram trazem de volta o Banco Central para a cena. Não que o BC não fosse imprescindível no combate à inflação, mas antes o fiscal seria a base. Agora o BC precisa contribuir muito para as expectativas de ajuste macroeconômico e combate à inflação não se esvaírem. E isso é compatível com a elevação de 0,5 ponto porcentual da Selic.", diz.

Mas o que seria o que ele chama de 'embaralhada' fiscal? Senna diz achar que a equipe econômica imaginava que a base de partida, o ano de 2014, teria um pequeno déficit do governo central, que acabou sendo bem maior. "O ajuste que precisa ser feito, como demonstrado nas pesquisas do Ibre, coordenadas pelo economista Gabriel de Barros, mostram que não há registro na história, desde que as contas públicas têm essa metodologia, do fim dos anos 90 para cá, de um ajuste tão significativo, em particular do governo federal". Ele cita que, de 1998 para 1999, o governo central saiu de um déficit primário de 0,4% do PIB para superávit de 1,3%. "Agora, estamos saindo de déficit de 1,3% para superávit de 1,0%. Isso já complicou um pouco."

Em sua avaliação, a questão política com o escândalo da Petrobrás e a Lava Jato também está embaralhando bastante. E essa seria outra razão, em sua opinião, para o BC agir com firmeza. O eocnomista diz que, neste momento, é muito difícil fazer um prognóstico para a alta total da Selic no atual ciclo. "Enquanto o cabo de guerra das contas públicas persistir, o Banco Central vai continuar tendo de fazer ajustes da Selic, mesmo que o ritmo se reduza para 0,25 ponto porcentual por reunião. No Brasil atual, é indispensável trazer a inflação de serviços para baixo, aliás.", diz, explicando que, da mesma maneira que as dificuldades no campo fiscal estão ampliando muito o papel que o BC tem de exercer daqui por diante, quando se olha o desequilíbrio da economia brasileira sob o prisma da área externa, nota-se que o papel do BC é ainda mais significativo do que se imagina que poderia ser.

"O desequilíbrio da conta corrente, claro, sofre a influência de muitas variáveis. No Brasil, há mais de uma década, temos visto que aquilo que podemos chamar de câmbio real, a relação entre o preço de bens comercializáveis internacionalmente (tradables) e não comercializáveis (non tradables, a inflação de serviços), tem sido o fator explicativo da deterioração das nossas contas. Segundo Senna, na primeira metade da década passada o Brasil saiu de uma situação de quase 2% do PIB de superávit em conta corrente para o quadro atual de déficit um pouco acima de 4%. A deterioração da conta corrente foi causada, diz ele, na verdade com alguma precedência, por uma piora do câmbio real como ele teria definido (valorização relativa dos non tradables ante os tradables). A aderência dessa relação entre tradables e non tradables com o déficit em conta corrente, segundo Senna, é muito boa. A piora de seis pontos porcentuais do déficit em conta corrente se deu em um período em que o câmbio real, naquela definição, apreciou-se em 20%. "Isso é algo que tem de mudar", afirma. Mas, como isso pode mudar?, questiona a reportagem.

"A boa pergunta é como a desvalorização nominal de mais de 90% do câmbio desde o fim de 2010 não produziu uma alteração da relação tradables/non tradables. São vários fatores ao longo daquele período, mas ultimamente isso se explica pelo fato de que lá fora, principalmente no mundo desenvolvido - mas é algo mais abrangente, que se vê inclusive na China -, as pressões são desinflacionárias. Há uma recuperação muito lenta da economia global, e de forma muito desequilibrada, que favorece muito os Estados Unidos. Isso atrai o dinheiro para os Estados Unidos, fortalecendo o dólar, o que tem um impacto negativo na cotação das commodities."

Perguntado sobre qual seria então o risco de não se ajustar a conta corrente, Senna é categórico: "Me vem à lembrança a frase de Mário Henrique Simonsen: 'A inflação aleija mas o balanço de pagamentos mata'. E explica dizendo que, hoje, é preciso ter uma preocupação muito grande com o setor externo porque a economia está na lona e temos 4,2% de déficit em conta corrente.

"Quando uma economia está crescendo bem, muito aquecida, os economistas, mesmo os mais ortodoxos, não se preocupam muito com isso, porque as oportunidades de investimento estão se ampliando, isso transborda para o mercado externo, busca-se uma poupança externa para financiar - não é tão grave. Nosso problema é que a economia não está aquecida, está estagnada, e mesmo assim o déficit está acima de 4% do PIB.". Completa dizendo estar muito preocupado com esse desequilíbrio. Que é preciso que os preços relativos se invertam. Mas que faz parte desse processo o chamado "desvio de demanda" - é preciso consumir menos tradables para que o excedente exportado seja maior -, o que coloca mais pressão na inflação de serviços. Por isso é taxativo ao dizer que o BC é peça indispensável para desinflacionar os serviços.

Em relação a qual seria a proposta do seu livro 'Essays and Conversations on Monetary Policy', Senna diz que ele é um dos frutos de seu trabalho no Centro de Estudos Monetários. São pesquisas e textos publicados a cada seis meses, normalmente um ensaio e uma conversa com algum economista monetário relevante, seja acadêmico ou ex-banqueiro central. Nos temas dos ensaios, buscamos identificar o que está sendo debatido lá fora e interpretar os acontecimentos da economia mundial e as novas formulações de política econômica. E, claro, ver como tudo isso afeta a nossa economia.

Em um de seus ensaios, sobre a proposta de troca do regime de metas de inflação por meta de PIB nominal, Senna diz ter defendido uma visão muito crítica sobre essa sugestão, já que os formuladores de política econômica têm muito pouco controle sobre as variáveis macroeconômicas. Outro ensaio seu, ressalta o economista, é sobre estratégias de política monetária antes e depois da crise. "O que ficou claro é que os condutores da política monetária não prestaram a devida atenção ao problema da instabilidade financeira, o que colocou na ordem do dia as políticas macroprudenciais. Um dos meus ensaios favoritos é sobre os custos da inflação - mostro que os dirigentes dos BCs saíram muito na frente dos acadêmicos neste tema. E há também o ensaio sobre a estagnação secular e a queda do juro de equilíbrio no mundo.

E quanto às entrevistas?, pergunta a reportagem.

"O professor Laurence Ball defendeu com grande competência posições pouco convencionais, das quais tendo a discordar, como metas de inflação da ordem de 4%. Com o professor Charles Goodhart, ex-diretor do Banco da Inglaterra (BC), discutimos o papel dos diretores externos do BC britânico, sem funções administrativas ou executivas. Paul Volcker, ex-chairman do Fed e responsável pelo fim da fase da elevada inflação americana, um gigante da política monetária, enfatizou o papel fundamental da credibilidade do BC - ele não fica de lado nenhum no debate entre o regime de metas de inflação e o mandato dual (inflação e emprego) dos Estados Unidos. No fundo, o Volcker é o Volcker. Com o Pastore, finalmente, um dos nossos grandes craques em Economia Monetária, a conversa foi sobre o fato de que empiricamente o nosso BC não perseguiu a meta de 4,5% nos últimos anos, mas sim um número um pouco maior. Ele expandiu essa discussão em livro recentemente publicado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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