Desconfiança tem travado agenda de infraestrutura, diz secretário
A relação entre administração pública e órgãos controladores vive um momento de antagonismo e divergência que não é sustentável no longo prazo, avalia o secretário de Articulação para Investimentos e Parcerias do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Marco Aurélio Barcelos. Segundo ele, os gestores públicos se veem tolhidos por um "clima de desconfiança", o que, em última instância, tem travado o avanço da agenda de infraestrutura do País.
Em seminário promovido pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Barcelos exemplificou a situação de "apagão das canetas" com dois eventos da última semana: o imbróglio em torno do Decreto de Relicitação e a ação no Judiciário envolvendo a prorrogação antecipada de concessões ferroviárias.
Segundo o secretário do PPI, o governo teve de abrir mão do "arrojo" no decreto que regulamenta a relicitação - processo que beneficiaria concessionárias de rodovias, aeroportos e ferrovias com contas desequilibradas - pelo temor de que isso significaria "favorecer empresa A ou B". Na segunda-feira, o governo realizou uma reunião aberta à imprensa com o objetivo de deixar clara sua motivação em torno da medida, que vem sendo esperada pela iniciativa privada há mais de um ano - a concessionária do Aeroporto de Viracopos, por exemplo, chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pressionar pela regulamentação da relicitação.
Barcelos também criticou fortemente a "baixa sensibilidade" dos órgãos quanto a cronogramas e prazos para os projetos de infraestrutura, mencionando o caso dos "investimentos cruzados" nas prorrogações antecipadas de concessões ferroviárias. Nesta semana, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação no STF contra os critérios definidos na Lei 13.448 para a prorrogação contratual no setor ferroviário, que julga como inconstitucionais. "O que nos admira é que, com mais de um ano da lei (13.448/2017), só agora, quando as audiências públicas começam a ser instaladas, temos esse tipo de pronunciamento", avaliou.
O secretário do PPI disse ainda que, em sua experiência pessoal, ele já se deparou algumas vezes com "despreparo técnico" de decisores e técnicos de órgãos de controle. "Em algumas medidas, você se vê completamente exasperado com um interlocutor que não tem condições de processar a informação."
A afirmação rebate a fala de um membro do Tribunal de Contas da União (TCU) no seminário. Mais cedo, Júlio Marcelo de Moraes, procurador do TCU, disse enxergar, em alguns órgãos executivos, uma "falta de capacidade técnica", causada pela "intensa rotatividade de mão de obra". "Muda o primeiro escalão, muda o segundo escalão (...) há uma perda de memória técnica dos órgãos."
Em sua fala no seminário, Moraes rechaçou que exista uma "hipertrofia" do controle ou uma "cultura do medo". Ele ressaltou que o TCU age para conter "irresponsabilidades" na execução dos contratos - uma das críticas é o uso excessivo, em determinados momentos, de readequações contratuais e dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). "Isso tem gerado uma cultura de que o contrato não precisa ser tão respeitado assim porque 'depois a gente conversa'. Isso não é bom. Quem precisa atrair investimento internacional tem que passar uma mensagem de seriedade nos contratos."
"O TCU não tem tradição punitiva. O foco do TCU é induzir melhorias e corrigir procedimentos. Mas de vez em quando vai acontecer de ter punição, porque senão você gera uma sensação de irresponsabilidade tolerada", pontuou o procurador do órgão.