Artigo sobre a reforma tributária escrito por Marco Túlio Ribeiro Fialho, advogado especialista em direito público e tributário
A Emenda Constitucional nº 132/2023 inaugurou a mais ampla reforma tributária do consumo no Brasil desde 1988. A Constituição estabeleceu a matriz: simplificação, neutralidade, cálculo “por fora”, não cumulatividade plena e fim da guerra fiscal. Na sequência, a Lei Complementar nº 214/2025 criou o novo arcabouço normativo, instituindo o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), além de prever regimes específicos, cashback para famílias de baixa renda, isenção da cesta básica e reduções para setores como saúde, agro, hotelaria e restaurantes.
Ou seja, a planta da casa foi desenhada e as primeiras paredes foram erguidas. Porém a obra ainda está longe de ser habitável. O que falta é decisivo – e o risco de iniciar a transição sem esses pontos bem definidos pode transformar a promessa de simplificação em mais um capítulo de insegurança jurídica.
Reforma tributária exige regulamentações
O primeiro ponto em aberto é a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024. É ele que estruturará o Comitê Gestor do IBS, órgão que terá a função de editar regulamento único, uniformizar a interpretação bem como a aplicação do imposto. E ainda, arrecadar, compensar e distribuir receitas entre os entes federativos. Ou seja, sem esse comitê, voltaremos ao cenário de disputas e divergências que a própria reforma prometeu encerrar. Do mesmo modo, caberá ao órgão julgar o contencioso administrativo, ponto sensível para a segurança do contribuinte.
Outro aspecto pendente é a definição das alíquotas de referência. Ou seja, a neutralidade e a carga tributária estável dependem dessa decisão política e técnica do Senado. Nesse sentido, enquanto não houver clareza sobre o percentual final do IBS e da CBS, empresas e consumidores seguem no escuro.
Há ainda questões práticas fundamentais. O cashback para famílias de baixa renda exige normas complementares e sistemas de pagamento integrados ao Cadastro Único. As obrigações acessórias, como a adaptação da nota fiscal eletrônica e o funcionamento do split payment, ainda não estão plenamente regulamentadas. Ou seja, sem isso, corremos o risco de sufocar o setor produtivo em dúvidas operacionais.
Também faltam ajustes setoriais em regimes como serviços financeiros, combustíveis, seguros, planos de saúde e a Zona Franca de Manaus. Cada um desses segmentos aguarda definições que podem alterar radicalmente sua competitividade.
A poucos meses do início da transição, o que falta não é detalhe: são as estruturas que darão vida ao sistema. A Constituição deu a planta, a LC 214 levantou as paredes, mas sem telhado e acabamentos a casa não serve para morar. Se concluirmos a reforma com consistência, teremos um sistema simples e transparente. Se não, teremos apenas mais uma obra inacabada no já complexo edifício tributário brasileiro.
Marco Túlio Ribeiro Fialho é advogado especialista em direito público e tributário