Passeio de caiaque no manguezal
Passeio de caiaque no manguezal

Economia

Passeios no manguezal atraem turistas e empreendedores em Vitória

Turismo no manguezal de Vitória cresce com passeios de caiaque, aprendizado sobre a natureza e negócios sustentáveis

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Passeios no manguezal atraem turistas e empreendedores em Vitória Passeios no manguezal atraem turistas e empreendedores em Vitória Passeios no manguezal atraem turistas e empreendedores em Vitória Passeios no manguezal atraem turistas e empreendedores em Vitória
É possível remar em caiaques duplos ou individuais.
Passeios no manguezal podem ser feitos em caiaques duplos, individuais ou barco. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

O silêncio interrompido apenas pelo canto dos pássaros e o correr da água, ao mesmo tempo doce e salgada, proporcionam a sensação de paz, em meio à correria da cidade cheia de avenidas, prédios e carros, que só um manguezal urbano” como o de Vitória é capaz de fazer.

Cercados pelo mangue e sua fauna discreta – mas presente na lama, nos troncos e no céu –, os capixabas de diferentes idades remam em seus caiaques duplos com olhares atentos de contemplação, admirando a beleza única do ecossistema de transição entre rio e mar.

Quem guia o passeio, novo para alguns e frequente para outros, é Wallace Mendes Barbosa, de 49 anos. Desde 2018, quando decidiu empreender e fundar a Inata Sustenatural, ele oferece vivências no manguezal e aproveita o momento para conscientizar os visitantes.

Wallace Mendes Barbosa, 49, decidiu empreender e criar o próprio negócio turístico no manguezal.
Wallace Mendes Barbosa, 49, decidiu empreender e criar o próprio negócio turístico no manguezal. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

O empreendimento turístico, segundo ele, surgiu com a necessidade de mostrar aos capixabas a riqueza do mangue, seja em Goiabeiras, na Capital, ou até mesmo em outras regiões da Grande Vitória.

Eu criei esse negócio de passeios com o objetivo de, além de passar uma mensagem da necessidade de proteção e cuidado com o manguezal, também fazer com que as pessoas resgatem o contato com a natureza.

Este é o caso de Ana Fabris, 42 anos, que divide o caiaque com o filho Bernardo, de 11. Natural de Vitória, ela nunca tinha feito o passeio e nem conhecia o manguezal de perto. Após a primeira experiência, afirma que vai voltar.

“É um refúgio, um tesouro escondido em Vitória. Acho que a gente acaba não conhecendo muito essas opções da cidade, mas agora pretendo voltar”, conta Ana.

Foi o que aconteceu com Leila de Oliveira, 55. “Capixaba da gema”, ela teve a vivência pela primeira vez há oito meses e nunca mais parou. 

Praticante de remo também no mar, ela já fez todos os tipos de passeios oferecidos pela empresa de Wallace e afirma que a experiência é muito diferente das outras que já teve. “Essa paz aqui é diferente. É calmo, você vive mesmo a natureza. É uma terapia”, conta ela.

Mangue é a vegetação capaz de sobreviver à água salgada do ecossistema de transição entre rio e mar.
Mangue é a vegetação adaptada à água salgada do ecossistema de transição entre rio e mar. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Mas não é só a beleza que conquista os visitantes e o próprio guia. Wallace, que deixou a sala de aula do ensino médio, onde lecionava química, para se dedicar ao próprio negócio, também usa as horas de remada para proporcionar “aulas em campo”. 

Ao longo do curso d’água, ele explica sobre a vegetação, a fauna e até o movimento das marés. Para ele, o que se vê e aprende no manguezal pode ser aplicado em qualquer lugar, “porque a natureza só muda de endereço, mas geralmente tem os mesmos processos”.

Crescem com esse aprendizado os dois filhos de Ana Cláudia Rezende, de 46 anos, Ian e Ravi, de 11 e 13, respectivamente. Há três anos, os meninos acompanham a mãe em todos os passeios no manguezal. 

Quando começaram, eles tinham 7 e 9 anos, e não remavam. Agora, eles remam e já estão familiarizados com o ambiente, cheio de surpresas. “Toda vez que vimos é uma coisa nova. Animais diferentes, coloridos, a paisagem que muda… É sempre uma experiência nova”, relata Ana.

Colhereiro sobrevoa o manguezal de Vitória e encanta visitantes. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Essas características do manguezal representam, para Leandro Dalcomo Tononi, analista de Turismo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-ES), “um grande ativo”.

“É um grande diferencial e cada vez mais o segmento de turismo é demandado e valorizado quando associado a alguma qualificação, treinamento, algum aprendizado, e o próprio turismo de natureza, que é a contemplação”, afirma.

Segundo dados do Sebrae, há, atualmente, 7.415 empresas do setor de turismo apenas em Vitória. No Estado todo, o número chega a quase 62 mil.

O crescimento do setor é comprovado por dados. Conforme pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), o turismo no Estado teve a maior alta do país no segundo mês deste ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

O crescimento anual foi de 16,9%, acumulando expansão de 13,4% entre janeiro e fevereiro de 2025. Os dados representam um faturamento de R$ 201,5 milhões.

Manguezal urbano em Vitória

Outra singularidade que se destaca é o fato de o manguezal da Capital estar 100% localizado em território urbano. Para Tononi, isso facilita o acesso da população e fomenta ainda mais o ecoturismo.

Manguezal de Vitória está 100% localizado em território urbano.
Manguezal de Vitória está 100% localizado em território urbano. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Apenas na área de pressão direta ao manguezal de Vitória – que compreende uma faixa de 1 km para além do mangue, no sentido da cidade – há quase 100 mil domicílios (33,4% de todos os domicílios localizados na bacia da foz do Rio Santa Maria da Vitória) com aproximadamente 235 mil habitantes, conforme estudo do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) com base em dados do Censo 2022 do IBGE.

Os números revelam um “cenário de urbanização irreversível”, segundo o diretor de Estudos e Pesquisas do IJSN, Pablo Jabor. Ocupando 8% da área da bacia na Capital, o manguezal abrange importantes bairros da cidade e dos municípios vizinhos.

Parte laranja do mapa indica a área de pressão direta ao manguezal na Grande Vitória.
Parte laranja do mapa indica a área de pressão direta ao manguezal na Grande Vitória. Mapa: Reprodução/Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN)

“Hoje é impensável uma possibilidade de recuperação dessas áreas para aquilo que era antes da ocupação humana”, explica Jabor. O que se pode fazer, explica ele, é acompanhar a evolução da urbanização na área de pressão direta por meio de dados.

Berçário resiliente

Apesar da intervenção humana, o manguezal se mantém e se recupera de tempos em tempos. Segundo o pesquisador, o ecossistema “tem bastante resiliência e uma certa flutuabilidade na área que ocupa”, dependendo muito do regime de chuva e salinidade da região para existir.

Mas, assim como a água é doce e salgada, o mangue é resiliente e, ao mesmo tempo, sensível. “Estamos falando de um verdadeiro berçário, importante para toda a vida marinha e a zona costeira”, justifica Jabor.

O ecossistema na cidade tem importância não só ambiental, mas também garante o sustento de diferentes comunidades – pescadores, paneleiras e marisqueiras – e ajuda a controlar o microclima, diminuindo o calor.

As Paneleiras de Goiabeiras utilizam recursos do manguezal para fabricação de panelas.
As paneleiras de Goiabeiras utilizam recursos do manguezal para fabricação de panelas. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Por isso, a conservação se mostra fundamental. E nada mais convincente para fomentar o cuidado do que mostrar as belezas guardadas pelo ecossistema, apontam os especialistas. 

O turismo, quando bem organizado, quando realizado em harmonia com o ambiente onde ele é praticado, se torna um defensor da natureza. Ele ajuda a preservar, porque as pessoas passam a conhecer e, conhecendo, elas valorizam mais.

Leandro Dalcomo Tononi

Foi assim com o próprio Wallace. Antes de comprar o primeiro caiaque e começar a ofertar passeios na região para se sustentar, ele não tinha noção do potencial do manguezal de Vitória.

“Eu sou filho de pescador e sempre pescava, mas foi quando entrei no cursinho pré-vestibular que eu comecei a ter mais vislumbre daquilo que eu tinha no quintal de casa. O professor de Biologia falava em sala de aula e eu comecei a perceber que eu tinha tudo isso aqui.”

Encantado, ele começou a frequentar o manguezal, comprou mais caiaques e passou a levar os amigos e a organizar eventos de limpeza da água, até que o costume se tornou empreendedorismo.

Passeio de “trenhaque” no manguezal de Vitória.
Passeio de “trenhaque” no manguezal de Vitória. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Com a contribuição do Sebrae para microempreendedores, Wallace fez cursos e aprendeu a “alavancar o negócio”. Hoje, a Inata Sustenatural faz passeio remado, em barco motorizado e até de “trenhaque”, modalidade em que o barco carrega os caiaques.

Em qualquer um deles, o aprendizado, a contemplação e a diversão são garantidos. Miguel, de 11 anos, nunca tinha feito um passeio no manguezal, muito menos de trenhaque, mas gostou tanto que até mergulhou. “Nadar foi a melhor parte”, afirma ele.

Para garantir a saúde do manguezal, entretanto, é importante a atuação da sociedade civil, como também dos órgãos públicos. Na região das paneleiras, de onde saem os caiaques, o esgoto deságua diretamente na bacia, causando preocupação aos visitantes e ao empreendedor Wallace.

Procurada, a Prefeitura de Vitória alega que o serviço de esgotamento é prestado pela Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e que a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Camburi, que atende a região, opera sob licença ambiental concedida pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).

Ao mesmo tempo, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam) atua na fiscalização e no acompanhamento das atividades de saneamento, diz a gestão.

Conforme dados da prefeitura, 96% dos bairros que compõem a região de Goiabeiras são atendidos com coleta e tratamento de esgoto, com base no número de imóveis com matrícula ativa na Cesan.

O órgão também diz que o manguezal de Goiabeiras sofre influência de lançamentos de esgoto não apenas de Vitória, mas de outros municípios que integram a Bacia do Rio Santa Maria da Vitória.

Os animais que vivem no manguezal dividem espaço com a poluição.
Os animais que vivem no manguezal dividem espaço com a poluição. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Tanto a prefeitura quanto a Cesan pontuam que onde há rede pública de tratamento de esgoto disponível, a responsabilidade pela ligação do imóvel à rede é do proprietário do imóvel.

Conforme a companhia, não compete a ela a fiscalização e notificação dos domicílios irregulares que existem na região. A Cesan também afirma que toda a bacia possui rede coletora de esgoto tratada na Estação de Tratamento de Esgoto Mulembá.

Para tentar garantir a notificação de proprietários e fiscalização do cumprimento das interligações, então, a companhia disponibiliza dados ao Ministério Público do Estado e aos municípios.

“Em ação conjunta com o Ministério Público e prefeituras da Grande Vitória, a Companhia fornece um levantamento de todos os imóveis situados nos municípios que têm rede de esgotamento sanitário disponível, mas que ainda não estão conectados”, diz a Cesan.

A companhia também afirma que realiza o maior investimento per capita em saneamento no país e que Vitória figura como a cidade com o melhor índice de cobertura de coleta e tratamento de esgoto.

Mesmo assim, a poluição ainda é perceptível em alguns pontos e sinaliza, para Wallace, a necessidade de conscientização da população em torno da importância do manguezal. Por isso, ele continua o trabalho e busca promover ações de conscientização através do próprio negócio.

Julia Camim

Editora de Política

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.