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Reforma tributária: entre a expectativa e a realidade… que ainda virá

Veio a reforma tributária dos tributos que incidem sobre o consumo e a promessa é que iríamos simplificar o sistema. Já a realidade...

Foto: Freepik
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*Artigo escrito por Rogério David e Daniel Soares, advogados e sócios do David & Athayde Advogados

A necessidade de simplificar o sistema tributário nacional é um pleito de anos. Entidades, acadêmicos, imprensa e empresários não cansavam de bradar que a complexidade do nosso sistema é um verdadeiro freio de mão puxado, impactando de forma negativa nosso progresso.

De acordo com o Banco Mundial, as empresas no Brasil dedicam até 1.501 horas anuais ao cumprimento de obrigações fiscais.

Leia também: Falácia da neutralidade na reforma tributária e o que está em jogo

Esse período, que abrange desde a preparação até a declaração e o pagamento dos tributos, é o mais longo registrado entre todas as nações.

Reforma tributária e a promessa de simplificar o sistema

Eis que veio a reforma tributária dos tributos que incidem sobre o consumo. A promessa e, portanto, a expectativa, é que iríamos simplificar o sistema. Já a realidade…

Não compete à Constituição Federal regular todas as matérias.

Em termos de sistema tributário, ela basicamente define materialidades (o que tributaremos? renda, patrimônio, consumo, folha de pagamentos etc) e competências (qual ente tributa o quê?

A União federal, a renda, Estados e municípios, o consumo etc). Daí que é necessária uma lei complementar para tratar de alíquotas, momento do recolhimento etc.

Para tratar cerca de 33% do novo sistema e substituir em parte o Código Tributário Nacional, que possui 218 artigos, temos uma nova lei regulamentadora, a Lei Complementar 214/2025, com 499 artigos. E temos sinais de que a tão sonhada simplificação não virá.

Lei regulamentadora não pode ser contraditória

Isso porque, se quisermos ter um sistema simples e seguro, a lei regulamentadora não pode ser contraditória ao texto constitucional. Mas não é bem o que presenciamos até o momento.

Comecemos com o novo Imposto Seletivo, inserido da Constituição para incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente e à saúde. O chamado imposto do pecado.

A regulamentação determinou a incidência desse imposto sobre veículos, sem fazer qualquer distinção quanto ao combustível utilizado.

Com isso, mesmo veículos elétricos e os que consumem biocombustíveis serão tributados.

Desafiando a lógica da Constituição

Ao agir dessa maneira, a lei complementar desafia a lógica da Constituição, não apenas na gênese do imposto seletivo, mas também em relação ao princípio da defesa do meio ambiente, e ignora a obrigação constitucional de adoção de regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão de carbonos.

A finalidade é assegurar um diferencial competitivo via tributação inferior à aplicada sobre os combustíveis tidos como não renováveis e poluentes.

Já na tributação da herança – sim, caro leitor, a pretexto de alterarmos tributação do consumo, a Constituição foi alterada também em tributos sobre o patrimônio – o novo desenho constitucional previu que, em relação aos bens imóveis, o ITCMD será pago ao Estado onde situado o imóvel.

Já para bens móveis, o imposto será do Estado em que o falecido tinha domicílio.

Logo, a lei complementar que vier a regulamentá-lo, não deveria dispor diferente disso correto?

Ocorre que o projeto de lei (PL 108/2024) em tramitação no Congresso prevê que as quotas de uma empresa que forem herdadas, considerando que essa empresa tenha bens imóveis no seu ativo – e aqui vamos frisar que quotas não são bens imóveis – ao invés de ser devido o imposto sobre a herança no domicílio do falecido, como reza a Constituição, ele será devido no Estado onde está situado o imóvel, caso o valor de tais ativos sejam consideráveis dentro da empresa.

Ora, salta aos olhos que o projeto de lei prevê hipótese não prevista pela Constituição Federal.

Chance de ouro de mudar o sistema tributário perdida?

Parafraseando aquela música do Titãs, a gente não quer só simplicidade, a gente quer simplicidade, modicidade de alíquotas e segurança jurídica.

No entanto, ao que parece, estamos perdendo uma chance de ouro de modificar nosso sistema tributário para melhor.

Em vez de uma reforma construída com base em princípios estruturantes e sustentáveis, o que se viu foi uma tramitação acelerada, sem o devido debate dos diversos setores da sociedade afetados pelo novo sistema.

Rogério David e Daniel Soares são advogados
Rogério David e Daniel Soares são advogados. Foto: Acervos pessoais

A Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT) promoverá o debate sobre esse tema no II Simpósio Nacional de Estudos Tributários, que ocorrerá no dia 13 de junho, no Palácio do Café, na Enseada do Suá.

Antecipar-se a essa transformação será fundamental para evitar riscos e identificar oportunidades em meio à nova ordem fiscal.