Economia

Setores 'blindados' favorecem grandes grupos na crise

Setores ‘blindados’ favorecem grandes grupos na crise Setores ‘blindados’ favorecem grandes grupos na crise Setores ‘blindados’ favorecem grandes grupos na crise Setores ‘blindados’ favorecem grandes grupos na crise

São Paulo – Em meio à crise que atropela a economia brasileira e que tem levado grandes grupos a reestruturar dívidas e outros até mesmo a pedir recuperação judicial, alguns conglomerados com atuação multissetorial têm se mostrado imunes – ou quase – à turbulência e estão conseguindo se destacar em um cenário desolador, em que o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,8% no ano passado e deve encolher pelo menos mais 3% em 2016.

Num momento em que o consumo interno não para de cair, não têm muito a reclamar da crise os grupos que fizeram apostas como: vender artigos de primeira necessidade, como medicamentos, cujo consumo cresce respaldado no envelhecimento da população; investir no agronegócio, único pilar da economia brasileira a fechar no azul em 2015; ou apostar na expansão no exterior.

Encaixam-se nessa categoria de “privilegiados” grupos como os brasileiros Ultra e J&F, o alemão Bayer e o canadense Brookfield, de acordo com consultores, gestores de bancos e analistas ouvidos pela reportagem.

Dono da rede de postos de combustíveis Ipiranga, o Grupo Ultra tem obtido bons resultados na Ultragaz, que vende botijão de cozinha, uma vez que a população tem feito mais refeições em casa. Quando decidiu entrar em um novo setor em 2013, o grupo comprou a Extrafarma, de varejo farmacêutico.

Já o grupo alemão Bayer tomou, no ano passado, importante decisão estratégica ao sair do setor químico para focar em medicamentos e em agronegócio. A companhia está entre as dez maiores do País em medicamentos e entre as cinco maiores em defensivos agrícolas. A J&F, além de posicionada no agronegócio, priorizou sua expansão em negócios de alcance global, como a Eldorado (de celulose) e a Alpargatas (dona da Havaianas). Uma das principais compradoras de ativos no Brasil, a Brookfield se beneficia de investimentos em energia renovável, que tem preços mais atraentes, e concessões de rodovias, que têm fluxo de caixa garantido.

Seleção

A resiliência desses grupos não vem apenas do fato de serem multissetoriais, afirma Paulo Furquim, coordenador do centro de pesquisas em estratégia da escola de negócios Insper. O segredo é a seleção de ativos que eles fizeram. “Casos como Ultra, Brookfield e Bayer mostram uma combinação prudente de ativos e certa sorte nesse momento mais delicado. No caso da J&F, que tem um endividamento maior em dólar, conta a favor o fato de o grupo estar bem posicionado globalmente.”

A força desses grandes grupos está fundamentada em números. Apesar de a venda de combustíveis ter se mantido estável em 2015, na comparação com o ano anterior, a Ipiranga – principal negócio do Ultra – teve alta de 12% na receita, para R$ 75,7 bilhões. O lucro subiu 21%, para R$ 1,2 bilhão. O presidente do Ultra, Thilo Mannhardt, contesta o fator sorte. “Não existe sorte. Tem, sim, o trabalho de desenvolver negócios que façam sentido para a companhia. É o caso da expansão da Extrafarma, que já ocorre nos postos Ipiranga.”

Líder global em carne bovina, com o JBS (Friboi), a J&F tem 88% de suas receitas originadas fora do Brasil. No terceiro trimestre de 2015, a gigante da proteína animal faturou R$ 43 bilhões, quase 40% a mais do que no mesmo período de 2014. O lucro, na mesma comparação, subiu 214%, para R$ 3,4 bilhões.

Segundo o presidente do conselho da J&F, Henrique Meirelles, a decisão de ter uma atuação global foi tomada ainda em 2007, com a compra da americana Swift. Depois, essa lógica foi aplicada à criação da Eldorado Celulose (cuja produção é quase 100% exportada) e da recente compra da Alpargatas (dona da Havaianas). “Nosso objetivo é ter produção em vários países.”

A subsidiária brasileira da Bayer também apresentou bons resultados no ano passado: as vendas somaram R$ 10,17 bilhões, alta de 26% sobre 2014. Apesar de estar atento aos altos custos de produção no País (os insumos são importantes e boa parte dos medicamentos tem preço controlado), o presidente da Bayer no Brasil, Theo Van der Loo, diz que o País continua a ser um mercado-chave. “Seríamos o terceiro maior em receita, e não o quarto, não fosse a desvalorização do real.”

Já a Brookfield aproveitou o real mais barato para comprar ativos no Brasil: hoje, tem R$ 40 bilhões aplicados por aqui (R$ 5 bilhões a mais do que em 2014). É dona de edifícios comerciais (como o atualmente ocupado pelo Itaú BBA, em São Paulo), pequenas centrais hidrelétricas e tem participação em concessionárias de rodovias.

Futuro

Ao olharem adiante, esses grupos também mostram apetite para continuar a investir. A J&F, que lucrou mais de R$ 12 bilhões com derivativos cambiais no ano passado pelo JBS, estaria interessada em adicionar novos negócios ao portfólio. Segundo fontes, o grupo estaria olhando oportunidades desde o setor financeiro até em bens de consumo, como a Natura. À reportagem, Meirelles negou o interesse na empresa de cosméticos, mas disse que ainda há espaço para aquisições.

A Brookfield estaria de olho em ativos em dificuldades, incluindo os da espanhola Abengoa, que entrou com pedido de recuperação judicial em seu país. Procurada, a gestora canadense não comentou.

Já o Grupo Ultra prevê expandir o número de postos de combustíveis nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Além disso, não descarta novas aquisições, incluindo negócios que a Petrobrás está colocando à venda para superar a crise.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.