
O presidente Lula deu ordens a interlocutores e avisou integrantes do Poder Judiciário que pretende levar adiante a proposta de zerar a tarifa de transporte de ônibus urbanos. Nesse sentido, o chamado passe livre nacional seria parte do pacote de bondades a ser apresentado na campanha pela reeleição no ano que vem.
O Estadão mapeou que prefeitos estão sendo sondados, a exemplo de Ricardo Nunes (MDB), de São Paulo. Porém, ainda não há previsão de quanto custaria a medida nem como colocá-la de pé. Integrantes do Ministério da Fazenda fizeram reuniões preliminares sobre o tema, no entanto o estudo que o ministro Fernando Haddad prometeu ainda não ficou pronto. Para que comece a valer antes da campanha, o programa tem de ser lançado ainda em 2025, sob pena de infringir a legislação eleitoral.
“O fato de o governo federal falar em fazer é bacana, o que não pode é isso se tornar um discurso irresponsável. Do mesmo modo colocar na mente das pessoas e virar uma promessa irresponsável que nunca vai acontecer”, disse Nunes.
“Ninguém quer que o governo federal banque tudo, porém também não vamos querer jogar as contas todas para o Estado e para os municípios. Qual é a fonte de recursos? É fundamental que o governo federal traga isso”, acrescentou o prefeito de São Paulo.
O sistema de transportes de ônibus na cidade de São Paulo custa cerca de R$ 12 bilhões por ano. Metade disso é bancado pela prefeitura, cerca de R$ 6 bilhões, enquanto R$ 3 bi é pago pelas empresas, por meio do vale-transporte, e R$ 3 bilhões ficam com os próprios usuários. Sem o subsídio municipal, diz Nunes, a tarifa que hoje custa R$ 5,00 seria de R$ 8,60, para atender 7 milhões de usuários por dia.
União bancaria parte das passagens de ônibus
Pela proposta em discussão, o governo federal bancaria a parte dos passageiros. No caso da cidade de São Paulo, portanto, R$ 3 bilhões. Nesse sentido, a ideia em debate é criar um fundo em que as empresas depositariam o valor que gastam com vale-transporte (R$ 3 bi em São Paulo), enquanto as prefeituras manteriam sua parte (R$ 6 bi, no mesmo exemplo).
Os custos de implementação em todo o País são incertos. Ou seja, não existe um estudo que tenha mapeado as dificuldades de forma agregada, alerta Marcos Bicalho, diretor de Gestão da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Nesse sentido, ele calcula que, de forma preliminar, os gastos poderiam chegar a R$ 90 bilhões por ano.
Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) avalia que a cifra poderia ser de R$ 200 bilhões. Ou seja, isso tornaria a medida inviável e irresponsável se fosse feita às pressas. Isso nas palavras do presidente Paulo Ziulkoski.
Na Câmara dos Deputados, o projeto do PT foi encampado pelo deputado Jilmar Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero. Do mesmo modo, o parlamentar acionou prefeitos e contou que, ele mesmo, levou apenas uma hora para convencer Lula da viabilidade da medida. Tatto admite, porém, que não sabe quanto custaria o programa nacional.
Ainda assim, ele disse que o PT já solicitou incluir no Orçamento de 2026 a previsão de despesas com a política. Isso seria, mesmo que de maneira inicial e crescente, de acordo com a adesão dos municípios.
“A gente está falando de mais de 5 mil municípios. Tem município que nem tem ônibus. Outros têm três ônibus, cinco ônibus. Nesse caso, seria de graça. O prefeito não consegue comprar nem uma bicicleta e a gente ainda vai cobrar dele parte da política?” questionou.
Outras fontes de financiamento
Segundo Ricardo Nunes, de São Paulo, outras fontes de financiamento estão sendo ventiladas para custear o programa. Entre elas estão parte do Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA), que hoje pertence exclusivamente aos estados. Aliados de Lula no Senado falam ainda em usar verba oriunda do fundo social do petróleo e a Cide-Combustíveis, atualmente zerada.
Tatto desconversa sobre o quanto isso é viável em meio à aversão do Congresso em aumentar tributos. Ele diz, no entanto, não acreditar que isso possa atrapalhar os planos da equipe econômica com o ajuste fiscal. Segundo o deputado, “o problema não é falta de dinheiro”, porém como será a montada a estrutura de financiamento ao programa. Nesse sentido, poderia contar ainda com empréstimos do Fundo Clima e do Fundo Amazônia para custear a troca das frotas de ônibus a diesel por eletrificados. Ou seja, isso também contribuiria para a redução dos gastos públicos com o subsídio.
O assunto só não ganhou tração no Ministério da Fazenda, segundo Tatto, porque Haddad está concentrado na aprovação dos projetos que vão compensar a queda da Medida Provisória 1303.
“É importante frisar que todos temos preocupação fiscal. Todo mundo está sendo responsável (para entender custos e fontes de custeio). No entanto todos são a favor, inclusive as prefeituras. A maioria é de direita e o prefeito que está lá na ponta sabe da importância do projeto”, disse.
Expectativa por ajuda federal
Apesar da fala de Tatto, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), afirma que os municípios esperam, sim, ajuda federal nos seus gastos. Isso porque as prefeituras já gastam hoje para bancar gratuidades que foram estabelecidas em lei federal. São elas, por exemplo, o transporte de idosos, estudantes da rede pública bem como deficientes.
‘Estamos há anos requisitando que o governo ajude a pagar o custo do transporte para os aposentados e nada. Agora, na véspera da eleição, quer falar em tarifa zero?” questiona. “Se começasse pelo menos com o reembolso (para as prefeituras) de quem tem mais de 65 anos, eu poderia reduzir a tarifa em R$ 0,50”.
Melo é um dos defensores da implantação gradual da tarifa zero, discutindo isenções por grupos vinculados à renda (mais pobres teriam acesso antes ao benefício). Tatto e o PT, por sua vez, veem o programa como de uso universal, acessível a todos os usuários do transporte coletivo sem distinção, como uma espécie de SUS (Sistema Único de Saúde).
“Do ponto de vista político eleitoral, o ganho acontece implantando ou não implantando (o programa). Só de anunciar, com a credibilidade que o Lula alcançou com o Imposto de Renda, ele tem esse ganho do ponto de vista eleitoral. Agora o que eu acho? O que aliás foi um pedido dele. Ele quer lançar o programa este ano”, disse Tatto.
Como é hoje?
De acordo com estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), até maio deste ano, 154 cidades (de 5.570) do País implementaram políticas de tarifa zero, sejam elas universal ou parcial (em algum dia da semana ou com rotas selecionadas). Desse total, 73% adotaram o modelo nos últimos cinco anos, com predominância para pequenos municípios.
“Há uma evidente concentração da tarifa zero nas pequenas cidades, com até 50 mil habitantes. Desse grupo, fazem parte 62% (95) de todos os 154 casos; 33% (51) das cidades têm menos de 25 mil habitantes. Entre 50 mil e 100 mil habitantes, existem mais 26 cidades”, diz o estudo.
Entre as cidades com mais de 100 mil, apenas 12 têm tarifa zero universal, com uma população somada de aproximadamente 2 milhões de habitantes. É menos, por exemplo, do que a população de Fortaleza, capital do Ceará.
“A evolução das iniciativas de tarifa zero até este momento é um movimento importante, que merece além de monitoramento também análise. Contudo, não pode ser considerado tendência nacional para qualquer perfil de cidade”, diz o estudo.
Perdas e ganhos
Um dos problemas identificados pelo estudo com a implementação da tarifa zero é um rápido aumento na demanda pelo transporte público.
Em Caucaia (CE), a maior cidade do País com tarifa zero universal, houve uma alta de 389% no número de passageiros, entre agosto de 2021 e setembro de 2023. Ou seja, isso obrigou o município a aumentar a oferta de ônibus em 46% no período. Depois, houve estabilização.
Em Sorriso (MT), 75% dos usuários entrevistados disseram que estão insatisfeitos com o serviço, segundo o estudo. Do mesmo modo, 80% afirmaram que não atende às necessidades de deslocamento diário. Na cidade, há 10 linhas em operação pública, porém com locação de ônibus de empresa privada.
Como não existe um desenho nacional para a política, o estudo aponta muita disparidade de custos e também de formas de financiamento entre os municípios. Formosa (GO) gastou R$ 4,3 milhões com a tarifa universal zero, enquanto Maricá (RJ) gastou quase 20 vezes mais: R$ 87,3 milhões. Ambas as cidades têm o mesmo porte, mas Maricá conta com recursos da produção de petróleo.
“Em relação à fonte de custeio, há três alternativas elegidas pelas 12 maiores cidades que têm tarifa zero universal. Nesse sentido, 7 casos optaram pelo financiamento com recursos do orçamento municipal. Do mesmo modo, 3 criaram fundos específicos para o custeio do transporte coletivo. E outros 2 viabilizaram a medida com o uso de emendas parlamentares”, diz a NTU.
Diversas cidades, contudo, identificaram ganhos com a política. São eles o aumento nas vendas de comércio local, com impacto na arrecadação de tributos, redução de acidentes de trânsito, bem como aumento da demanda por restaurantes populares. Do mesmo modo houve redução de remarcações de consultas no SUS bem como economia na renda mensal das famílias.
Para Tatto, há ainda de se considerar que um programa nacional tem que levar necessariamente a uma revisão dos contratos com as empresas que operam o serviço. Em vez de cobrarem por usuário, elas passariam a ser remuneradas pela manutenção do veículo em determinado trajeto. Ou seja, a mudança torna difícil estimar custos.
Capitais com modelo parcial
Apenas nove capitais adotam tarifa zero, todas elas parciais, ou seja, em dias específicos da semana. Ou ainda com atendimento exclusivo para bairros ou determinadas linhas. Segundo estudo da NTU, o desafio é maior nas cidades de grande porte. Nesse sentido, um dos motivos é a existência de diversos modais de transporte, o volume de passageiros e as complexidades logísticas das grandes regiões metropolitanas.
- São Paulo (SP): a tarifa zero funciona aos domingos e começou em dezembro de 2023. A prefeitura estima um custo anual de R$ 283 milhões com a medida.
- Belo Horizonte (MG): apenas 12 linhas adotam a tarifa zero, desde abril de 2023. Em média, 433 mil passageiros são transportados por mês com o programa.
- Brasília: tarifa zero é praticada nos ônibus e metrôs aos domingos, desde março de 2025. Estimativa de gasto de R$ 30 milhões em um ano.
- Curitiba (PR): isenção apenas para pessoas não empregadas e cadastradas no programa Tarifa Zero para Quem Precisa, em vigência desde fevereiro deste ano.
- Belém (PA): tarifa zero aos domingos e feriados, desde abril de 2025.
- Maceió (AL): todos os domingos, desde abril de 2022.
- Cuiabá (MT): domingos e feriados desde maio de 2025.
- Palmas (TO): domingos e feriados desde março de 2023.
- Florianópolis (SC): último domingo de cada mês, desde janeiro de 2021.