
À frente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), o ex-embaixador Rubens Barbosa tem uma visão privilegiada do cenário de trocas comerciais do Brasil.
Para ele, os entendimentos sobre as exceções ao tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, serão conquistados com a pressão de empresas prejudicadas.
“São os interesses econômicos e comerciais das empresas americanas e brasileiras que estão moldando a política comercial dos EUA em relação ao Brasil.”
O ex-embaixador, nesse sentido, avalia que o governo deve construir uma mudança na lista de exceções ao tarifaço em paralelo ou a partir do encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, no próximo domingo (26), na Malásia, durante a Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático.
Para ele, as tarifas podem diminuir para 20% a 25% com a possibilidade ainda de a sobretaxa adicional de 40% cair.
Barbosa concedeu entrevista ao Estadão/Broadcast durante o Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado em um hotel na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Quais são as expectativas para a safra de trigo que está sendo colhida no País?
Nós trabalhamos com os números da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento): 7,7 milhões de toneladas. É menor do que o ano passado. E a volatilidade do preço é enorme.
E quanto às importações?
Haverá um aumento das importações da Argentina. Há aumento da demanda para farinha. No ano passado, foi de 3%. Então, estamos projetando um aumento (da demanda).
E, até o momento, já houve a importação de mais de 5 milhões de toneladas da Argentina, mais dos Estados Unidos, da Rússia, do Uruguai e Paraguai. Acho que neste ano teremos importação de mais de 6 milhões de toneladas da Argentina.
Quais são as perspectivas para o preço?
O preço do trigo está fixado na Bolsa de Chicago, na Bolsa de Kansas e pelo trigo da Rússia, que é mais barato, pelo preço da Argentina.
Não é fixado aqui, tem uma influência muito grande do mercado internacional. E a volatilidade do preço no mercado internacional está muito grande, sob impacto do clima nos EUA, a geopolítica da Rússia.
Não dá para prever o que vai ser agora com a entrada da safra brasileira. O preço aqui tem sido muito deprimido, e esses últimos dias subiu um pouquinho.
Em quanto se estima a necessidade do Brasil?
A necessidade do Brasil é 12,5 milhões a 13 milhões de toneladas de farinha.
A volatilidade de preços pode levar à falta de trigo?
Não há nenhum problema de abastecimento. Está sobrando trigo no mundo. E neste ano a gente vai comprar mais da Argentina também porque o preço lá está bom. O volume pode até passar de 6 milhões de toneladas.
E os moinhos do Brasil compraram muito no primeiro semestre, logo no primeiro trimestre. Compraram quantidades que nunca compraram antes.
E também virá alguma quantidade dos EUA e da Rússia por causa do preço. Para os Estados do Norte e Nordeste, fica mais barato do que trazer da Argentina.
Em relação às negociações do Brasil com os EUA, a lista de exceções ao tarifaço pode aumentar?
Isso aí vai sair por interesse americano. Não é por pressão brasileira. Os empresários americanos é que estão levando isso (ao governo dos EUA) e os empresários brasileiros que foram afetados.
O Joesley (Batista, acionista da J&F, controlador da JBS) tem a carne pagando 50% mais. Ele contribuiu para a eleição americana, ele foi lá reclamar.
São os interesses econômicos e comerciais das empresas americanas e brasileiras que estão moldando a política comercial dos EUA em relação ao Brasil. A nossa exportação para os EUA representa 1% das importações americanas.
Não é importante. E, dentro das nossas exportações, os EUA são apenas 10%. Também não é importante.
Quem está sendo mais afetado?
Os outros, que têm 20%, estão sofrendo. São pequenas e médias empresas de madeira, autopeças, que não tem como recolocar os produtos.
O café foi para a China. A carne também foi para outras praças. Mas os produtos industriais, como calçados, foram afetados, pois são feitos sob medida para outras empresas, não tem como redirecionar.
O sr. acredita que a mudança nas exceções pode acontecer ainda neste ano?
Isso vai coincidir com o encontro entre os presidentes. Se o presidente (Lula) não fizer nenhuma coisa diferente, por causa da Venezuela, acho que quando eles se encontrarem, vão bater o martelo.
Isso porque há pouco a negociar — o trabalho técnico teve a conclusão. Eu acho que o big tech é muito mais importante que o comercial.
Como o senhor vê essas negociações?
Pelo que o (vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) Geraldo Alckmin informou, ele fez duas reuniões e tem uma agenda.
Se isso for mantido, é muito fácil. Apresenta-se a agenda, eles aprovam, e o setor privado americano discute com o governo brasileiro a agenda que eles mesmos já aprovaram.
O tarifaço deve acabar?
O governo vai negociar para diminuir bastante o tarifaço. Pode ser que diminua até 20%, 25%. Era 10%, acrescentou mais 40%. Esses 40%, acho que vão desaparecer.