
Artigo escrito por Érico Colodeti Filho, especialista em investimentos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Especialista em criptomoedas pela Associação Nacional das Corretoras Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord). Professor universitário e apresentador do “Me Tira do Perrengue“.
Em um cenário financeiro volátil, o Tesouro Direto consolidou-se, por anos, como a materialização da segurança para o pequeno e médio investidor brasileiro. Simples, acessível, com o respaldo do governo federal. Era invariavelmente apresentado como o reduto mais conservador da economia. Contudo, em uma nação marcada por uma crônica de crises fiscais, uma indagação antes sussurrada começa a ecoar com mais força. Será que o governo terá, de fato, condições de honrar sua dívida?
Para uma análise honesta, é imperativo discernir o mito da realidade. Historicamente, o Brasil jamais incorreu em um calote de sua dívida interna, aquela denominada em reais. Isso é um fato incontestável.
O Tesouro Nacional detém a soberana prerrogativa de emitir moeda, de refinanciar vencimentos e de ajustar prazos. Nesse sentido, sob uma ótica estritamente técnica, isso minimiza sobremaneira o risco de um descumprimento formal. No entanto, o ato de investir transcende o simples retorno do capital. Ele se debruça, fundamentalmente, sobre o poder de compra real que esse dinheiro terá ao regressar ao bolso do aplicador.
A dívida pública brasileira, lamentavelmente, tem exibido uma trajetória de crescimento acelerado. A conjugação de gastos obrigatórios onerosos, a constante pressão política por novas despesas, uma dificuldade estrutural em promover cortes efetivos e uma arrecadação tributária que flutua ao sabor dos ciclos econômicos, compõem um quadro fiscal deveras sensível.
Calote silencioso via inflação
Quando a expansão da dívida supera a do Produto Interno Bruto, os investidores, naturalmente, elevam suas exigências, demandando juros mais robustos para persistirem no financiamento governamental. Esse movimento se manifesta claramente na ascensão das taxas dos títulos do Tesouro, por vezes, mesmo em conjunturas de inflação aparentemente sob controle, sinalizando um prêmio de risco cada vez maior.
E é aqui que reside um risco crucial, raramente elucidado ao investidor comum. O verdadeiro perigo não se materializa em uma declaração formal de não pagamento por parte do governo, mas sim na possibilidade de quitar a dívida por meio da inflação. Ao recorrer à emissão monetária para cumprir seus compromissos, a autoridade monetária provoca uma depreciação do valor do dinheiro. O investidor, de fato, recebe seus recursos, porém, com um poder de compra drasticamente reduzido. Ou seja, configura-se, assim, um calote silencioso, legal. Porém, historicamente, um expediente recorrente em economias com fragilidades fiscais crônicas.
Adicionalmente, manifesta-se o risco da marcação a mercado, particularmente acentuado para aqueles que optam por títulos prefixados ou indexados à inflação com horizontes de vencimento alongados. Uma elevação na percepção do risco fiscal provoca, invariavelmente, a alta das taxas de juros e, consequentemente, a desvalorização do preço do título no mercado secundário. O investidor que, porventura, necessite resgatar seu capital antes do prazo final, pode ser compelido a arcar com perdas significativas, a despeito de ter aplicado em um ativo tradicionalmente percebido como seguro.
Este cenário complexo coloca o investidor, especialmente o mais sofisticado, diante de um dilema. Manter ou não a aposta em títulos públicos federais? Ele não busca apenas a garantia de receber o valor nominal investido, mas sim a preservação, bem como a valorização, do seu poder de compra. Nesse sentido, a decisão de alocar recursos se torna um ato de fé na capacidade do governo de gerenciar suas finanças com prudência e de evitar atalhos inflacionários, que corroem o capital de forma insidiosa, mas eficaz. A diversificação da carteira, a busca por outros ativos e a exigência de um prêmio de risco cada vez maior tornam-se respostas naturais a essa crescente incerteza fiscal.
Confiança no Tesouro
Para que a confiança dos investidores seja plenamente restaurada, a rota é clara, porém desafiadora. Passa pela implementação de políticas fiscais críveis e duradouras. Isso implica em um compromisso inequívoco com o controle dos gastos públicos, a busca por eficiência na alocação dos recursos bem como, quando necessário, em reformas estruturais que garantam a sustentabilidade da dívida no longo prazo. Discursos não bastam. O mercado, sempre vigilante, exige ações concretas que sinalizem uma trajetória de responsabilidade, afastando o fantasma da desvalorização da moeda e protegendo o capital de quem confia no Estado.
Importa salientar que nenhuma dessas considerações advoga pelo abandono do Tesouro Direto. Antes, elas ressaltam a necessidade imperativa de sua compreensão aprofundada.

Segurança, em matéria de investimentos, não se traduz na ausência total de risco, mas sim na capacidade de prever e gerir esses riscos dentro de um contexto bem definido. Para horizontes de curto prazo, na formação de uma reserva de liquidez ou em estratégias meticulosamente alinhadas a objetivos específicos, os títulos do Tesouro permanecem uma ferramenta de inestimável valor. O equívoco reside em concebê-los como um investimento infalível, hermético às adversidades políticas, às deliberações fiscais e à dinâmica macroeconômica do país.
Investir em títulos públicos, em última análise, constitui um ato de confiança no Estado. E a confiança, como bem sabemos, não se ergue sobre discursos vazios, mas sim sobre pilares sólidos de responsabilidade fiscal, previsibilidade na condução das políticas econômicas bem como um compromisso inabalável com o futuro da nação. A questão central, portanto, não é meramente se o governo saldará sua dívida. A indagação mais pertinente, e talvez a mais dolorosa, é: ao fazê-lo, qual será o real valor daquele capital que retornará às mãos do investidor?