Em plena época das mensagens instantâneas, alunos do nono ano de uma escola municipal de Vitória tiveram uma experiência que remete a décadas atrás. Eles trocaram cartas físicas, aquelas de papel mesmo, com estudantes de Moçambique.

O projeto “Cartas para Moçambique: uma prática de ensino dialógica e afetiva”, realizado na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) São Vicente de Paulo, no bairro Moscoso, em Vitória, foi idealizado pela professora Patricia Seibert Lyrio.

“O projeto surge a partir de um sonho de mostrar para as minhas crianças que os países lusófonos, que usam a língua portuguesa, são irmãos e que a língua nos une. A escrita, a fala, a nossa prática, é uma prática cultural, a linguagem. E mostrar para os meus alunos que não existem muros, que a gente tem pontes”, disse a professora.

Ideia surgiu de amizade com mestrando moçambicano

A professora Patricia Seibert Lyrio contou que a ideia surgiu a partir da amizade dela com um moçambicano que ela conheceu no curso de Mestrado em 2022 na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Inicialmente ela não conseguiu colocar a ideia em prática, mas agora, no doutorado, ao conhecer um segundo amigo moçambicano, Cesário Lopes Manuel, os dois decidiram tocar o projeto.

“Quando eu falei com o Cesário, os olhos dele brilharam. Ele é professor em Moçambique e está aqui para o seu doutoramento na Ufes. Então, foi através do Cesário que nós chegamos ao professor de Moçambique, o professor Castião Popote, que atua no nono ano também”, relatou.

O professor Castião Popote recebeu as cartas dos alunos capixabas na escola de Moçambique. Foto: Divulgação

Os alunos da escola capixaba levaram duas semanas para escrever as cartas, com a ajuda dos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), que atuam na sala de aula junto com a professora Patricia.

Até o papel onde as cartas foram escritas foi preparado com carinho e cuidado. Nele, foi impressa a imagem da escola ao fundo, como uma marca d’água, e as páginas se transformaram em papéis de carta. Após escrever as correspondências, os alunos foram pessoalmente aos Correios fazer a postagem.

Vídeo mostra alegria de moçambicanos ao receberem cartas de capixabas

Um vídeo gravado pelo professor da escola moçambicana registra a alegria e a comemoração dos alunos no momento em que as cartas dos estudantes brasileiros chegaram lá.

O tempo de espera para receber as respostas dos alunos moçambicanos foi de cinco meses. Isso porque a esposa do amigo da professora veio visitar o marido no Espírito Santo e trouxe as cartas.

O evento de entrega das correspondências na escola capixaba aconteceu na última terça-feira (9).

“Os meninos estavam ansiosos. Porque hoje é tudo muito líquido, muito rápido, e a carta, não. A carta você tem que ter paciência para esperar. A gente aprendia a ter paciência na nossa época, na minha época. Tinha que ter paciência para tudo”, disse a professora.

As cartas tinham descrições sobre os lugares onde cada aluno morava, histórias contadas e perguntas que podem ser respondidas no futuro.

Teve uma aluna que recebeu umas quatro folhas de carta. Muitos desenhos, muitas perguntas. E ela falou que vai enviar as respostas, que vai ficar se comunicando por carta. Eu achei isso fantástico. Porque as palavras, elas chegam onde você quiser. Quando você consegue escrever, você amplia todos os horizontes

Patricia Seibert Lyrio, professora
Alunos de escola de Vitória trocaram cartas com estudantes de Moçambique. Foto: Patricia Seibert/PMV

Experiência evidenciou diferenças nos níveis de ensino dos países

Patricia contou que nem todos os alunos moçambicanos conseguiram escrever suas cartas, pois alguns ainda não sabem escrever. E essa foi uma lição importante para os estudantes capixabas.

“É uma situação lamentável, mas é muito bom eles saberem disso, que a nossa realidade está mais avançada. Esse foi um choque de realidade. Mas é importante eles saberem o privilégio que é saber ler, escrever e poder chegar onde quiserem”, disse.

Como preparação para o projeto, os alunos capixabas tiveram aulas de história sobre a África e Moçambique. Eles conheceram a música, a cultura, a língua e a comida moçambicana.

“Foi um projeto cultural, histórico, de resgate afrodescendente, de descolonização, de conhecimento geográfico e de muito afeto”, registrou a professora. Também houve aulas de estudo do gênero carta e uma visita ao Centro Histórico de Vitória.

Para o professor moçambicano Cesário Lopes Manuel, o recebimento das cartas confirma o propósito da iniciativa. “Saber que as crianças, tanto no Brasil quanto em Moçambique, esperaram e agora receberam suas cartas com tanta alegria mostra que a comunicação afetiva ainda tem espaço. É um aprendizado que fica para a vida”, destacou. 

Josiany França, mãe do estudante Arthur Luiz, do 9º ano, compartilhou sua experiência ao participar da apresentação do projeto.

“Eu achei tudo muito interessante, porque meu filho estava com dificuldade para finalizar a carta. A professora até explicou que o texto dele já estava praticamente pronto, ele só não sabia encerrar. O Arthur gosta de fazer tudo direitinho, de passar a mensagem certa para as pessoas. Eu fiquei muito feliz com essa conexão que eles construíram”, falou.

Patricia Maciel

Repórter

Jornalista formada em 2011, com experiência nas principais empresas de comunicação do Espírito Santo. Também atuou como assessora de comunicação e social media.

Jornalista formada em 2011, com experiência nas principais empresas de comunicação do Espírito Santo. Também atuou como assessora de comunicação e social media.