Educação Infantil

Duas em cada 10 crianças até 3 anos não conseguem vaga em creche no ES

Na Grande Vitória, mais de 8,3 mil crianças até 5 anos aguardam vaga em creche. Para ampliar oferta, Estado já enviou para prefeituras R$ 1,3 bilhão

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Criança em escola
Foto: Canva

Duas em cada dez crianças com até 3 anos de idade encontram dificuldades para conseguir vaga em creches , no Espírito Santo, de acordo com estudo feito pela organização Todos Pela Educação, elaborado a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e do Censo Escolar.

De acordo com dados fornecidos por prefeituras da Grande Vitória, ao menos 8.380 crianças, de 0 a 5 anos, estão fora da creche por falta de vagas.

O relatório produzido pelo Todos Pela Educação revela que 19,7% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos estão fora da creche por dificuldades de acesso, o que representa cerca de 2,28 milhões de crianças.

O estudo também destaca desigualdades regionais e socioeconômicas: enquanto entre as crianças mais pobres apenas 30,6% têm acesso à creche, entre as mais ricas o índice chega a 60%.

No caso específico do Espírito Santo, segundo o Todos Pela Educação, duas em cada 10 crianças de até 3 anos enfrentam barreiras para conseguir uma vaga, percentual que se aproxima da média nacional e evidencia a necessidade de ampliação da oferta no Estado.

O problema atinge diretamente milhares de famílias, que precisam conciliar o cuidado com os filhos pequenos e a rotina de trabalho. A situação se desdobra em dois pontos centrais: além da falta de vagas, há também casos em que a unidade de ensino existe, mas fica distante da residência, o que inviabiliza o acesso por falta de recursos para o transporte.

Para especialistas, o impacto ultrapassa a questão logística: afeta o desenvolvimento infantil e limita a autonomia de pais e mães, principalmente mulheres, no mercado de trabalho.

Embora a matrícula seja obrigatória apenas a partir dos 4 anos, a presença na educação infantil desde os primeiros anos é apontada como fundamental para a socialização e o aprendizado dos pequenos. Além disso, possibilita que famílias tenham mais condições de buscar sustento e qualidade de vida.

A espera que muda a rotina das famílias

Marcelo Siqueira, empreendedor e pai de Lorenzo, hoje com 6 anos, lembra as dificuldades enfrentadas quando buscava uma vaga para o filho ainda pequeno.

Marcelo Siqueira, empreendedor e pai de Lorenzo
Marcelo Siqueira e o filho Lorenzo em creche na Serra. Foto: Reprodução/TV Vitória

“Na verdade, quando a gente começou a procurar, praticamente não tinha vaga. Foi só depois de três anos tentando que conseguimos uma vaga perto de casa”, conta Marcelo, que mora em Alterosas, na Serra.

Ele recorda ainda que, nesse período, a família precisou recorrer a uma creche em Laranjeiras, na Serra, longe de casa. A logística era desafiadora.

Quando não era eu, era a mãe. A gente tentava fazer um arranjo dentro dos nossos horários de trabalho. Não era fácil.

Marcelo Siqueira, empreendedor

Atualmente, com Lorenzo em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) próximo de casa e em tempo integral, a vida da família mudou.

“Agora ficou 100% melhor. Com esse horário fixo, conseguimos organizar trabalho, consultas médicas e até cuidar mais da saúde. Ficou mais produtivo para todos nós”, completa.

Lorena Scott teve problemas de trabalho por causa da falta de creche para os filhos. Foto: Reprodução/TV Vitória

Já a salgadeira Lorena Scott, moradora da Grande Terra Vermelha, em Vila Velha, destaca que enfrentou quase dois anos de espera até conseguir matricular os filhos na creche. Mãe de seis crianças, três delas com menos de 5 anos, ela relata que a falta de vaga comprometeu sua vida profissional.

“Eu tive que sair do serviço. Tentei voltar para outra empresa, mas não consegui. Só depois que me ligaram informando que havia saído a vaga para as crianças”, contou.

Por que a creche faz diferença?

Segundo a psicóloga Thiara Faé, a ausência da educação infantil compromete o desenvolvimento integral da criança.

“Essa criança vai perder a oportunidade de desenvolver habilidades desde cedo, de forma saudável e direcionada por profissionais. Em casa, mesmo com pais pedagogos, é outro tipo de relação”, explica a especialista, que defende que a socialização é apenas o primeiro passo.

A educação infantil bem feita proporciona atividades adaptadas que preparam a criança para a alfabetização. Quando ela chega ao ensino fundamental sem essa base, enfrenta um atraso. O processo que deveria ser gradual acaba acontecendo de forma rápida e, muitas vezes, dolorosa.

Psicóloga Thiara Faé
A psicóloga Thiara Faé defende “sempre colocar a criança na escola”. Foto: Reprodução/TV Vitória

Thiara destaca ainda os avanços pedagógicos das últimas décadas e o papel crucial da escola nesse início de vida.

“Hoje a pedagogia consegue desenvolver a criança com alegria e clareza. Isso impacta até as chamadas cordas neurais, que funcionam como limpezas naturais do cérebro. É nessa fase, dos 0 aos 7 anos, que o cérebro se prepara para aprender. Por isso, minha indicação é clara: sempre colocar a criança na escola”, explica.

Unidades, vagas e lista de espera por prefeitura

A Serra possui 79 centros de educação infantil, que atendem mais de 21 mil alunos, mas há 5.878 crianças aguardando vagas em creches.

Segundo a prefeitura, estão em construção três novas unidades, além de outras seis que terão obras iniciadas em breve. A cidade diz ainda que planeja ampliar três Centro Municipal de Educação Infantil (CMEIs) com recursos do Fundo Estadual de Apoio à Educação Infantil (Funpaes).

Vila Velha contabiliza 2.021 crianças na lista de espera. A rede municipal possui 47 unidades Municipal de Educação Infantil (UMEI), com mais de 14 mil alunos matriculados.

Desde 2021, segundo a prefeitura, foram entregues 13 novas unidades, três delas apenas em 2025. Este ano, o município foi contemplado com mais de R$ 30 milhões do Funpaes para obras de ampliação, construção de quadras e aquisição de mobiliário escolar.

Unidades, vagas e lista de espera em creches por prefeitura

Viana possui 16 unidades, com 4.112 alunos matriculados e 481 crianças entre 0 e 3 anos cadastradas na fila. A prefeitura informou que duas novas creches estão em construção e vão abrir cerca de 600 vagas.

Cariacica, por sua vez, conta com 50 CMEIs em funcionamento e outros em construção ou licitação, além de oito unidades conveniadas via Funpaes. A prefeitura não informou quantas crianças estão matriculadas no total, mas disse que há vagas sobrando.

Em Vitória, 51 CMEIs atendem 8.525 crianças e também ha vagas disponíveis aguardando preenchimento, sendo 567 no total abertas.

Segundo o município, há 537 crianças que não estão estudando e aguardam vaga em unidade de ensino específica e outras 100 já matriculadas, mas que também esperam vaga em alguma creche específica.

Funpaes: Estado destinou R$ 1,3 bilhão para prefeituras

A ampliação da rede infantil é uma responsabilidade dos municípios, mas o governo do Espírito Santo tem buscado apoiar as prefeituras por meio do Funpaes, fundo estadual criado para repassar recursos diretamente às prefeituras.

O Funpaes é o fundo da educação do Estado. Cada município criou um fundo municipal espelhado nele. Assim, o repasse ocorre de fundo a fundo, de forma simplificada, para apoiar os municípios na melhoria da oferta, tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental.

Secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo

Segundo ele, o Estado já destinou cerca de R$ 1,3 bilhão ao fundo entre 2021 e 2025.

“Isso representa cerca de 40% do orçamento da Secretaria da Educação, uma decisão política e pedagógica. Não somos obrigados a repassar, mas entendemos que ajudar os municípios é garantir uma trajetória de sucesso para cada estudante capixaba”, ressalta.

Vitor de Angelo, secretário de Estado da Educação
Vitor de Angelo diz que repasse é para garantir sucesso dos estudantes. Foto: Reprodução/TV Vitória

Somente em 2025, serão R$ 485 milhões investidos, o maior valor já repassado em um único ano, de acordo com a pasta de Educação.

Os recursos poderão ser usados para construção e ampliação de creches, reformas, aquisição de mobiliário e até implantação de energia solar e câmeras de segurança.

Apesar do reforço financeiro e do reconhecimento nacional, com o Espírito Santo inclusive recebendo Selo Ouro no Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, o desafio de garantir vagas em creches continua e histórias como as de Marcelo e Lorena seguem se repetindo.

O déficit de mais de 8.300 crianças fora da escola na Grande Vitória mostra que a demanda ainda supera a oferta. Mas a previsão é de que o índice de atendimento para crianças de 0 a 3 anos no Estado suba de 39,9% para 47%, aproximando-se da meta nacional de 50%.

Breno Ribeiro

Reporter

Jornalista há 9 anos, formado pelo Centro Universitário Faesa, com especializações em Marketing, Administração de Empresas e Gestão de Vendas.

Jornalista há 9 anos, formado pelo Centro Universitário Faesa, com especializações em Marketing, Administração de Empresas e Gestão de Vendas.