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'Chet Baker - Apenas um Sopro' marca estreia de Paulo Miklos no teatro

Redação Folha Vitória

- Ao entrar no teatro, o público encontra no palco um baterista solitário, tocando o instrumento, aquecendo suas baquetas. Aos poucos, o som ritmado - crescente, sincopado, contagiante - ocupa todo o espaço e agarra a atenção dos espectadores. Ao soar o terceiro sinal e as luzes se apagarem, determinando o início do espetáculo, o contato foi estabelecido: a plateia já está preparada para assistir Chet Baker - Apenas um Sopro, peça que estreia na quarta-feira, dia 20, no CCBB.

Escrita por Sergio Roveri, a montagem é livremente inspirada em um momento particularmente doloroso de Baker (1929-1988), ícone do jazz, artista genial, um símbolo sexual viciado em heroína: quando, no final dos anos 1960, com a boca rachada depois de perder muitos dentes ao ser espancado em uma briga de rua de São Francisco, ele ensaia um retorno, encontrando amigos em um estúdio onde pretende gravar o novo disco e marcar sua volta.

"Aquela situação expõe um pouco da miséria humana, especialmente a dele", conta Paulo Miklos, músico da banda Titãs desde seu início, em 1982, e que agora estreia como ator de teatro justamente no papel do genial trompetista americano. "Comecei a atuar há 15 anos, mas sempre no cinema. Aqui, no palco, a exposição é maior, portanto fica mais evidente o risco e a fragilidade de Baker."

De fato, o baterista do início do espetáculo, vivido por Ladislau Kardos, é um novato que aproveita a chance de tocar ao lado de cobras, como o pianista (Piero Damiani), o contrabaixista (Jonathas Joba) e a cantora (Anna Toledo). E, principalmente, junto de Baker. Não se trata, porém, de uma relação fácil - como todo principiante, o baterista sofre com as brincadeiras dos mais velhos, mas ele se revela como o único ali a vislumbrar um futuro promissor. "É a nova geração observando a veterana e descobrindo que não quer seguir ladeira abaixo", comenta Joba que, assim como Anna, tem uma sólida carreira no teatro, enquanto Kardos e Damiani, músicos profissionais, são estreantes do palco.

A mescla resulta em uma experiência fascinante, com improvisos típicos do jazz. Na interpretação de Miklos, por exemplo, o público descobre a armadilha do talento. "Com ele e o resto do elenco, busquei mais contundência na atuação para mostrar seres cientes de estarem à beira do precipício", explica o diretor José Roberto Jardim. "Um estúdio é um ambiente perfeito não apenas para abrigar a música, mas também as histórias pessoais, os dramas, as frustrações", completa Roveri.

O personagem revela-se muito caro para Miklos. "Entendo perfeitamente o que se passa com Baker nesse momento em que a autoconfiança não passa de uma armadilha", observa. "Estou abstêmio há 10 anos e, desde então, tenho mais consciência dessas falsas certezas."

Miklos não chega a tocar o trompete no espetáculo. "Sempre me pareceu cruel exigir de um ator ou músico a mesma genialidade de Chet Baker ao tocar; as comparações seriam inevitáveis", conta Roveri. "No entanto, há algo muito mais significativo nesta impossibilidade do personagem do Paulo tocar o trompete: é o retrato do artista diante da insegurança, diante da possibilidade terrível de ter perdido o dom, de ter perdido a genialidade. Esse, ao meu ver, é o ponto crucial e mais dolorido do espetáculo: um artista que é convidado a voltar à cena, mas ele próprio não sabe se vai conseguir executar o seu ofício."

Não se trata, porém, de uma peça sem músicas - o improviso do jazz pontua o espetáculo e os grandes momentos estão reservados para as canções Old Devil Moon, em magnífica performance de Anna Toledo, e, claro, My Funny Valentine, uma das mais idolatradas do repertório de Baker, cantada por Miklos. "A voz, nessa peça, tem a contundência de uma flechada", explica Jardim. "Encanta ao mesmo tempo em que provoca espanto."

Ele acerta no ritmo e na encenação - Joba, por exemplo, é perfeito na abertura do espetáculo. Os personagens são como um espelho do próprio Chet: talentosos, mas já conheceram dias melhores. A situação da peça não ocorreu na vida real, tampouco existiram o estúdio e os amigos de Baker. O trabalho do grupo, no entanto, faz pensar que poderia ter sido assim.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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