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Ciclo decifra mistérios de Kechiche

Redação Folha Vitória

São Paulo - Há um mistério da palavra que percorre (e desafia o espectador) no cinema de Abdellatif Kechiche. Basta falar com qualquer uma de suas atrizes, ou com todas. Sara Forestier, de L’Esquive; Hafzia Harsi, de O Segredo do Grão; Yahima Torres, de Vênus Negra; e - claro - Léa Seydoux e Adèle Axarchopoulos, de Azul É a Cor Mais Quente. Todas dizem a mesma coisa. Kechiche é capaz de repetir a cena 100 vezes em busca da tonalidade exata. É um diretor que cria uma espécie de cerimonial para reconstituir a oralidade ancestral e, dessa maneira, como ‘estrangeiro’ na França - nasceu na Tunísia -, não deixa de refletir sobre a herança colonial.

Kechiche já era um autor importante, mas se tornou um caso em Cannes, em 2013, quando o júri presidido por Steven Spielberg outorgou a tríplice Palma de Ouro ao diretor e a suas atrizes. O natural seria isso - Palma de Ouro para Azul É a Cor Mais Quente/La Vie d’Adèle e prêmios de interpretação para Léa e Adèle. O júri de Spielberg não fez isso. Deu a Palma tríplice para destacar que Azul é uma criação conjunta do trio. É uma história que vale lembrar, agora que começa - nesta quinta-feira, 26 - no Centro Cultural Banco do Brasil a integral de Kechiche.

A retrospectiva contempla todo Kechiche. Tudo bem, a obra do autor não é extensa, mas a quantidade até favorece a que o público reveja os filmes, ou veja os que não conhece. Um média - Suor -, e os longas. A Culpa É de Voltaire é de 2000, sobre um tunisiano que entra como clandestino na França, finge ser argelino e é aceito socialmente na comunidade. O problema é que o visto de permanência é negado e seu mundo desmorona. Em A Esquiva, de 2003, garota se prepara para espetáculo na escola. O Segredo do Grão, de 2007, é sobre aposentado que ganha ajuda da filha da amante para tentar abrir restaurante temático. Suor acompanha a atriz de O Segredo do Grão, Hafzia, numa viagem de trem quando ela vai fazer um espetáculo de dança do ventre. Vênus Negra, de 2009, é sobre mulher exibida como atração de circo em Londres, no século 19. E Azul narra a história de amor das duas garotas.

Num de seus encontros com o repórter, Kechiche conversou sobre a história de amor Azul e os temas que o atraem - linguagem oral, do corpo. "Azul/Adèle nasceu do meu desejo de contar essa história de amor entre mulheres, mas não como uma provocação. Como sempre, trabalhei lentamente. Levei cinco meses só filmando. A montagem também tomou muito tempo. Não sou do tipo que supervaloriza o roteiro. Me arrepio quando ouço falar num grande roteiro, pois é só um ponto de partida que vai sendo modificado durante a filmagem e a montagem. Cortei coisas das relações familiares e sociais para centrar na história de amor. É o que interessa."

Em Vênus, ele também centrou numa mulher que vira freak/uma aberração aos olhos de seus semelhantes. Mas ela não é uma semelhante na Inglaterra dos 1800.

Saartjie é considerada simiesca, misto de mulher e macaco. Como curiosidade de circo impressiona pela violência. Torna-se alvo da violência de seu tempo. A ciência e o senso comum a discriminam. O relato a acompanha em Londres e Paris.

Na Inglaterra, ela protesta em diferentes línguas. Na França, reduz-se ao silêncio, e ele é aflitivo. O cinema de Kechiche precisa da palavra. Ao privar-se dela, ele comete uma violência contra si mesmo (e seus personagens).

Sobre o prêmio de Cannes, extensivo às atrizes de Azul É a Cor Mais Quente, ele disse - "Acho que demonstrou a sensibilidade do júri. Para o tipo de intensidade que queria alcançar, tinha de ter as atrizes certas. Demorei para escolher o elenco. Adèle (Axarchopoulos) diz que fui cruel. Notei-a desde que fez o primeiro teste. Chamei-a para conversar. Um café, um almoço. Às vezes, conversávamos, mas na maior parte do tempo ficávamos em silêncio. Conseguia perceber sua ansiedade, mas era necessário. Tinha de saber até onde Léa (Seydoux) e Adèle conseguiriam ir. O resto foi muito trabalho no set. Tenho a fama de não dar folga aos atores, mas tenho certeza de que comigo eles vão a extremos que nem sabem que podem alcançar." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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