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Premiado 'Caranguejo Overdrive', peça de Aquela Cia., vem a SP

Redação Folha Vitória

São Paulo - A cada semana, a companhia carioca dirigida por Marco André Nunes estava de luto por sucessivas perdas no elenco. Um trio de caranguejos, vindo de restaurantes, era sempre substituído porque eles não sobreviviam. "Eles morriam a cada, dois, três dias", lembra o diretor de Aquela Cia., que estreia Caranguejo Overdrive nesta terça-feira, 16, no Sesc Pinheiros.

Uma solução que interferisse no destino fatal dos crustáceos foi procurar um especialista que pudesse manter os caranguejos vivos, ao menos até o fim da temporada. "Nós trocamos a dieta equivocada de alface por uma ração especial, além dos cuidados habituais com o tanque de água."

Entretanto, não houve muita mudança, conta o diretor, porque a cambulha de caranguejos continuava morrendo. A descoberta que viria a seguir sobre a natureza desses bichos transformou a montagem. "Eles não podem se sentir solitários", ressalta o diretor. Os caranguejos precisam lutar por território, brigar entre si e se movimentar, caso contrário, definham."

Entre outras coisas, é dessa luta pela sobrevivência que trata a montagem centrada na vida de Cosme, um catador de caranguejos que trabalha no Canal do Mangue, no Rio de Janeiro.

No pano de fundo desse período, estava a Guerra do Paraguai (1864-1870), que deu argumento ao espetáculo. "Ele é convocado para integrar o exército e, diante das atrocidades que viu, é mandado de volta", diz Nunes. "Ao chegar, o lar que ele conhecia não existe mais", conta o dramaturgo Pedro Kosovski. "Foi uma das primeiras grandes obras no Rio."

Deslocado do passado e inadequado aos novos tempos, Cosme inicia uma metamorfose. "O homem passa a se assemelhar ao caranguejo, na postura agachada, por estar sujo de lama e ter sua alimentação baseada naquele ecossistema", cita Nunes em referência à reflexão desenvolvida no romance Homens e Caranguejos, de Josué de Castro (1908-1973).

Toda essa transformação é construída no corpo dos atores, entre eles, Fellipe Marques. "Ele passa cerca de 20 minutos imóvel nessa posição", aponta Nunes.

Tais imagens vêm para "trazer escapes" à dramaturgia de Kosovski. De acordo com o dramaturgo, seu texto traz uma superfície marcada por sulcos, ou grandes blocos de monólogos. "São longas falas feitas por um único personagem, mas que parecem ser elaboradas por muitas vozes", continua. Ele explica que "são figuras multifacetadas, que se expressam em prol do coletivo".

O dramaturgo conta que, na peça, narrada de maneira não linear, as memórias são retomadas e postas à prova do tempo. "As lembranças são interrompidas pela imprecisão ou afetadas pelo tempo", explica ele. "O catador de caranguejo tenta sobreviver pela lembrança do passado."

Passado aqui que importa muito para compreender o atual Rio de Janeiro. "A cidade vive sucessivas transformações que afetam a vida das pessoas", conta o dramaturgo, referindo-se a obras como as da Olimpíada de 2016. "Quando o Canal do Mangue foi aterrado, os antigos moradores foram retirados de lá e levados para lugar nenhum. Isso redunda na atual configuração das favelas cariocas." Com uma trilha sonora embebida no fértil manguebeat, o diretor da companhia que completou 10 anos em 2015 afirma que a ideia foi conceber a sonoplastia como uma ópera.

No ano passado, a montagem ganhou dois troféus do Prêmio Cesgranrio pela direção e dramaturgia da dupla. Neste ano, a companhia aguarda o resultado das quatro indicações ao Prêmio Shell RJ. E, para a estreia do espetáculo aqui, o diretor adianta que o elenco de crustáceos já foi selecionado. Todos oriundos dos mercados da Lapa. "Já liguei para checar se todos estão bem." Vida longa ao mangue. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.