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'O Nascimento de uma Nação' teve importância social histórica

Redação Folha Vitória

Brasília - O filme mais polêmico de todos os tempos completa 100 anos neste mês. Especialistas e críticos apontam o lançamento de O Nascimento de uma Nação, dirigido por D.W. Griffith, em março de 1915 nos EUA, como o início do domínio de Hollywood sobre o cinema mundial, a pedra fundamental do cinema norte-americano e, ao mesmo tempo, o início da maior controvérsia em toda a história da sétima arte.

Apontado como o "pai do cinema" por mestres da arte tão diversos como Charles Chaplin, Orson Welles, Sergei Eisenstein e Glauber Rocha, Griffith filmou em O Nascimento de uma Nação a guerra civil americana (1860-1865) e contou uma história de amor, como um Romeu e Julieta, onde o casal é separado pelo Norte e pelo Sul. No meio disso, a maior polêmica: o racismo contra negros. Nascido em 1875 e membro da aristocracia decadente do Sul derrotado na guerra, Griffith usou a parte final do filme para uma apologia infeliz à Ku Klux Klan.

"É muito difícil dissociar a importância que o filme tem para o cinema mundial e para Hollywood por seus avanços técnicos e de linguagem, da questão do racismo. Os americanos até hoje convivem com questões sociais muito complexas", afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo o especialista da Universidade de Londres, Melvyn Stokes.

Para Ismail Xavier, doutor em cinema pela USP e pós-doutor pela New York University, a combinação entre um grande filme e uma peça racista fez de O Nascimento de uma Nação um enorme sucesso de público, mas que também despertou grande polêmica. "Foi o primeiro filme a mostrar a importância do cinema para um debate de temas de grande impacto em nível nacional", disse. Xavier, que em 1984 escreveu o livro D.W.Griffith: O Nascimento de um Cinema, afirmou ao Estado que o filme foi fundamental na transferência da hegemonia do cinema, até então na Itália e na França, para os Estados Unidos, em meio à 1ª Guerra Mundial (1914-1918).

Quando o longa de Griffith estreou, os grandes sucessos de público até então no país eram filmes estrangeiros, como os italianos Quo Vadis (1912) e Cabiria (1914). Depois de realizar mais de 300 filmes de 10 a 15 minutos de duração entre 1907 e 1913, Griffith já dominava algumas das principais técnicas da arte, além de ter criado outras.

Foi o primeiro diretor a filmar no terreno vazio da Califórnia que depois seria chamado de Hollywood (em In Old California, de 1910), o primeiro a criticar a especulação dos mercados financeiros (A Corner in a Wheat, de 1909) e o primeiro a filmar histórias de máfia e perseguição policial a gângsteres (The Musketeer's in a Pig Alley, de 1912).

Um dos mais populares críticos do cinema americano, Robert Ebert anotou em seu livro Grandes Filmes que, em O Nascimento de uma Nação, Griffith reuniu e aperfeiçoou as primeiras descobertas da linguagem cinematográfica e suas técnicas influenciaram as estratégias visuais de praticamente todos os filmes produzidos desde então. "Tornaram-se tão conhecidas que nem as notamos. Por outro lado, nós nos alarmamos com as atitudes racistas que eram igualmente invisíveis para a maioria das plateias brancas de 1915."

Ao Estado, Stokes afirma que O Nascimento de uma Nação teve importância social histórica ao ser a base de fundação dos movimentos populares de afirmação dos negros nos EUA. A maior e mais antiga das organizações de luta contra o racismo e pela igualdade dos direitos civis no país, a NAACP, fundada pouco antes, em 1909, moveu grandes manifestações contra a exibição do filme, conseguindo proibir o lançamento em cidades importantes, como Chicago e Boston.

A própria NAACP, que teria Martin Luther King como um de seus principais membros nos anos 1950 e 60, aponta que a luta contra filme de Griffith, 100 anos atrás, "ensinou o poder da publicidade" para a organização. Estatísticas da entidade apontam que o número de associados saltou de 9 mil, por volta de 1917, para quase 90 mil membros, apenas dois anos depois.

"Ter agora um presidente negro na Casa Branca mostra o quanto as sociedades americana e mundial avançaram no último século. Quando foi lançado, o filme foi exibido na Casa Branca, para o então presidente Woodrow Wilson, branco e integrante da elite americana. As coisas mudaram muito", afirmou Stokes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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