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'Otello' abre temporada lírica no Teatro Municipal

Redação Folha Vitória

São Paulo - No dia 17 de setembro de 1969, a primeira página do jornal O Estado de S.Paulo trazia uma enorme foto do tenor italiano Mario del Monaco. A chamada, com destaque, anunciava sua presença na cidade para interpretar Otello, na ópera de Verdi, no Teatro Municipal. Um dia depois, a crítica anunciava: "Ele é mais ator do que cantor", resumindo as qualidades que fizeram dele um dos maiores - talvez o maior - intérprete do papel.

Quase 50 anos depois, o teatro é o mesmo, a ópera também, assim como o sobrenome Del Monaco. Mas quem o ostenta desta vez é o diretor Giancarlo, filho do tenor. Quando o pai esteve no Brasil, ele ainda era um jovem iniciando na profissão. Hoje, é um diretor celebrado, com montagens em palcos como o Scala de Milão e o Metropolitan de NY. E o Otello que abre nesta quinta-feira, 12, a temporada lírica do Municipal faz parte das comemorações pelos seus 50 anos de carreira.

"A universalidade da história de Shakespeare permite que ela seja ambientada em qualquer lugar", diz. "Até mesmo no espaço, a bordo de uma nave, ela faz sentido." Não se trata, ao que parece, de força de expressão. "O ponto de partida, para mim, foi rechaçar qualquer concepção realista. Estudei, no início da minha carreira, na Alemanha, com Wolfgang Wagner e Walter Felsenstein. E lembro do impacto provocado então por montagens feitas de luzes, com o palco praticamente vazio. Esse aspecto me interessa muito, eu não quis definir o espaço da ação. Aqui, ela se passa em um grande cosmos abstrato."

O abstrato, ele afirma, permite que ele trate o que considera importante: a essência da peça, em que, manipulado por Iago, Otello é levado à loucura pelo ciúmes com relação a Desdêmona. "Eu trabalhei na atmosfera da encenação. A peça fala de racismo, ódio, ciúmes, poder. E se desenrola em uma atmosfera militar e masculina, em que não há espaço para o feminino. Quanto mais vazio o palco, mais fica clara esta sensação, e mais fácil é trabalhar com símbolos como a aranha a que se refere Iago ou o lenço utilizado em suas artimanhas contra Otelo", completa o diretor.

Del Monaco resolveu dedicar a produção ao pai, cujo centenário é comemorado este ano. Foi com ele que fez sua estreia como encenador, dirigindo justamente Otello. "Ele não concordava muito com as minhas ideias, mas obedeceu", ele se lembra. Dali em diante, ele elenca a lista de grandes intérpretes da ópera que já dirigiu, destacando Carlo Cossutta e Plácido Domingo. No Municipal, trabalha agora com dois tenores, que se revezam no papel-título: Gregory Kunde e Avgust Amonov. Completam o elenco as sopranos Lana Koss e Elena Rossi (intérpretes de Desdêmona), os barítonos Rodrigo Esteves e Nelson Martinez (Iago), os tenores Marius Brenciu e Medet Chotabaev (Cássio) e Giovanni Tristacci (Roderigo) e a meio-soprano Ana Lucia Benedetti (Emilia), entre outros.

Otello é a penúltima ópera de Verdi. Seu parceiro foi um antigo inimigo, o compositor e libretista Arrigo Boito que, décadas antes, havia feito parte de um movimento de renovação da arte italiana, associando o trabalho de Verdi ao que existia então de mais conservador e retrógrado. O tempo o fez mudar de ideia e, ao adaptar a peça de Shakespeare e oferecê-la ao veterano autor, reconheceu a sua importância na transformação do drama musical italiano. Mais do que isso, na verdade: deu a ele um texto que possibilitaria a Verdi ir ainda mais adiante nesse processo de renovação.

Otello é uma das obras-primas da criação de Verdi, um salto gigantesco para um homem de 73 anos", conta o maestro John Neschling, que comanda a Sinfônica Municipal e o Coral Lírico nas apresentações. "A ópera é um ‘reso conto’ (acerto de contas) de um gênio consigo mesmo, antevendo já o Falstaff, que viria muitos anos depois. Encenar Otello é um desafio estético para qualquer teatro, qualquer diretor cênico, qualquer regente e qualquer tenor. É um salto no escuro iluminado." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.