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Novo Cine PE põe foco na questão da identidade

São Paulo - Existem críticos que rezam pela cartilha do cinema de autor e parecem fazer suas escolhas de olho na bilheteria dos filmes. Se o público gosta, eles são contra. E vice-versa. Rodrigo Fonseca pertence a outra categoria, que acredita que filmes de autor não são necessariamente venenos de bilheteria. Akira Kurosawa, Federico Fellini, Luchino Visconti tiveram grandes sucessos de público ao longo de suas extraordinárias carreiras. E hoje autores como Christopher Nolan e Alfonso Cuarón estão assinando os grandes blockbusters de Hollywood.

Para selar a internacionalização do Cine PE, Fonseca espera lotar no sábado, 23, na abertura, o Cine-Teatro Guarapes com a nova comédia de Wes Anderson, Grande Hotel Budapeste, que passa fora de concurso, depois de inaugurar a Berlinale/Festival de Berlim, em fevereiro. "Foi a Fox que nos procurou oferecendo o filme", diz Sandra Bertini, criadora com o marido, Alfredo Bertini, do festival.

Ela constrói uma metáfora simples para explicar porque a internacionalização demorou o tempo de uma maioridade. "Sou economista de formação. Aprendi a encarar as coisas com planejamento. Não teríamos condições de iniciar um festival internacional já na primeira edição. Fomos construindo passo a passo, ganhando a confiança do Poder Público, para mostrar que não éramos aventureiros da classe artística. E agora chegamos, finalmente, a esta nova etapa."

Cada festival de cinema brasileiro guarda uma identidade particular. O de Brasília, à sombra do poder, tradicionalmente foi usado pelos jovens como plataforma para manifestações políticas. O festival também é o que mais honra, às vezes excessivamente, os luminares herdeiros do Cinema Novo. No Sul, o Festival de Gramado, que concorre com Brasília em antiguidade, foi para outro lado e sempre teve uma queda pelo tapete vermelho. Em Gramado, qualquer global da novela das 6 sempre provocou mais frisson que os grandes autores. O festival internacionalizou-se, virou latino e brasileiro, houve tentativas para minimizar o efeito tapete vermelho.

O Recife, por outro lado, é o grande festival de público. O próprio fato de ocorrer num ginásio de esportes transformado em cinema - o Cine-Teatro Guararapes, o Maracanã dos festivais de cinema, em Olinda -, contribui para isso. Já houve filmes que passaram para 3 mil pessoas, em sessões abarrotadas. O calor do público recifense sempre foi algo bonito de ver, mas os filmes volta e meia deixavam a desejar. Razões não faltavam para isso - um problema de curadoria, ou de falta de; a questão da data. No primeiro semestre - em abril/maio -, os filmes que participaram de grandes eventos no ano anterior estão estreando e os completamente inéditos estão se reservando para grandes eventos internacionais ou para os maiores festivais do País (Gramado e Brasília). A internacionalização pode quebrar a escrita.

Rodrigo Fonseca explica o foco da curadoria - "São dois caminhos que convergem numa mesma trilha, a memória. O tema dominante deste festival é a questão recorrente da identidade. Troca de identidade, reconstrução da identidade. E não falo apenas da identidade de indivíduos. O filme do (Daniele) Luchetti, Anni Felici, o concorrente italiano, busca reconstruir a tradição da grande comédia italiana dos anos 1950 e 60. Não quero cair na facilidade de só pensar o cinema de gênero como terror. A grande comédia italiana, de Dino Risi e outros autores, nutriu minha experiência e a de gerações de espectadores. Vamos compartilhar isso com o Luchetti."

Pela primeira vez, a competição será dividida em quatro segmentos (curtas pernambucanos, curtas nacionais, documentário e longa de ficção), com júris próprios, e abertura para filmes de outros países. Três dos concorrentes brasileiros na mostra principal são policiais. Alice Braga e Vladimir Brichta interpretam personagens de João do Rio em Muitos Homens num Homem Só, de Mini Kerti, um policial de época. Jorge Duran mistura cinema, literatura, o Rio e o deserto do Atacama no thriller Romance Policial. E Rui Veridiano viaja ao futuro em Mundo Deserto de Almas Negras para revelar uma São Paulo dominada pela elite negra, na qual a periferia é branca. Igualmente estranho é o universo ficcional de O Menino no Espelho, de Guilherme Fiúza Zenho.

Baseado no livro de Fernando Sabino, é sobre menino que vê seu reflexo no espelho adquirir vida própria. Da Argentina, fechando a competição de ficção, vem um concorrente forte, Todos Tenemos Un Plan, que é de 2012, mas nunca encontrou o caminho para os cinemas do País. Sua seleção por Rodrigo Fonseca tem o valor de um resgate. "É um filme de uma diretora que ainda não é conhecida no Brasil, Ana Pitarberg. Tem uma interpretação genial de Viggo Mortensen, que, para mim, é um dos maiores atores da história", diz o curador. "O que ele fez em Senhores do Crime (de David Cronenberg) é excepcional. O filme é sobre um homem cansado da sua vidinha em Buenos Aires e que assume a identidade do irmão, quando o outro morre. Só que o irmão está ligado ao crime e a vida dele sofre um baque. Viggo Mortensen representa em espanhol. Estou louco para ver o público compartilhar a emoção e o prazer de ver esse grande ator em mais uma interpretação antológica."

A mostra principal ainda propõe a pré-estreia, fora de concurso, de Getúlio, de João Jardim, que estreia em 1.º de maio, em todo o Brasil. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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