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O Grande Mestre destaca artes marciais

São Paulo - Wong Kar-wai sempre teve uma relação muito forte com o Festival de Cannes, mas no ano passado não apenas presidiu o júri de Berlim como apresentou, na abertura, O Grande Mestre. A cinebiografia de Yip Man era um sonho antigo de Kar-wai.

Admirador de artes marciais, ele conta que sempre soube da existência do personagem, quase sempre referido como o mestre de Bruce Lee. O click ocorreu em 1999, quando assistiu a um filme doméstico feito, em super 8, por um integrante da família do grande mestre.

Yip Man morreu em 1972, aos 79 anos. O filme o mostrava já no fim da vida, e debilitado, numa demonstração do método que empregava na lendária Escola Wing Chun. O 108, como é chamado, combina técnicas e estilos. Yip Man exibia-se com elegância, apesar da dificuldade evidente. No final, olhava para a câmera e Kar-wai ficou tocado por aquele olhar. Nunca conseguiu decifrá-lo. Era dor? A consciência da própria fragilização? Do tempo que se esvai? O desejo do filme começou a nascer naquele momento, mas a gestação foi longa. Foi um projeto de sonho, que Kar-wai desenvolveu ao longo de mais de uma década. Antes mesmo de filmar a primeira cena, ele confessa, já havia um Grande Mestre pronto no seu imaginário. O filme pronto não decepcionou sua expectativa.

Yip Man derrota mestre Yutan na China dos anos 1930. A filha do derrotado o desafia para lutar e a história estende-se pela 2.ª Guerra, quando o discípulo mais aplicado de Yutan se junta ao inimigo. É um filme sobre a paixão, mas, para ele, a questão contida em O Grande Mestre é a central das artes marciais. O vencedor é meramente aquele que fica de pé por último, ou existe alguma outra complexidade que, às vezes, não captamos? Pesquisando, escrevendo e reescrevendo o roteiro, Kar-wai chegou à essência do problema e ao conceito do filme que queria fazer. A honra é mais importante que a vitória a qualquer preço. A luta não é apenas um confronto físico. Envolve códigos, valores. Equivale a uma filosofia de vida.

Durante quatro anos, Kar-wai forçou os atores Tony Leung e Zhang Ziyi a um ritmo intensivo de preparação física. Leung contou uma coisa interessante em Berlim - Kar-wai nunca mostra o roteiro dos filmes aos atores. No máximo discute as cenas. O roteiro fica restrito ao diretor de fotografia e a outros colaboradores eleitos.

Mas como tinha um personagem real para interpretar - e fez sua lição de casa -, Leung jura que nunca se sentiu tão bem num set de Wong Kar-wai, mesmo que as cenas de lutas, pela repetição (e pelo preciosismo técnico) fossem cansativas. Kar-wai foi adiante. Disse que dá muito valor ao roteiro e o filma escrupulosamente, mas o filme, para ele, se faz na montagem. Mesmo cenas que achava que já tinha prontas na cabeça, foram refeitas porque a montagem lhe abriu novas alternativas. E há sempre a questão da beleza visual.

Seus filmes têm de ser, e são, bonitos de ver. Mas como ele desconstrói e reconstrói os filmes na montagem, o processo seria interminável, se não existissem produtores para lhe impor um limite. Mesmo satisfeito com O Grande Mestre, o autor não descarta que, daqui a alguns anos, revendo o filme, não vá querer fazer algum experimento. Mas não será o mesmo filme, nunca é. Um diálogo é fundamental - o que compara o amor ao sonho. O filme ideal também é um sonho que Wong Kar-wai diz que nunca se alcança, mesmo que se consiga chegar perto, como ele fez tantas vezes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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